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terça-feira, 13 de janeiro de 2015

Perspectivas


Quero morrer, só me apetece  morrer, mais  valia morrer, já tentei  matar-me. Ouço isto dezenas de vezes por mês e não me gasta a empatia, mas na volta conheço gente que põe as coisas em perspectiva. Já cá trouxe uma mulher que aos vinte e oito anos ficou sem o estômago, vive sozinha  numa aldeia serrana com uma pensão de invalidez  gorda como a Kate Moss,   e com quem trabalho à distância, no teclado, quando não aceita uma consulta pro bono.
Na semana passada, conheci uma lavradora de 70 e muitos. Em nova perdeu  três filhos de uma vez. O marido tinha comprado uma caçadeira e deixou-a encostada a um canto do logradouro, com uma caixa de cartuchos ao lado.  Um irmão da senhora, na altura ainda gaiato,   quis chumbos para  a fisga e abriu um par de cartuchos.  Feito o trabalho fumou um cigarro e atirou a beata sem olhar. Os miúdos moreram assados como leitões no meio da palha e da carqueja.  Passados uns anos,  outro filho meteu-se na droga, acabou preso no Linhó. Mais uma volta da ampulheta e a senhora  lerpou  duas mastectomias: radical à esquerda, parcial à direita. Finalmente, há cinco anos, o marido  sofreu um AVC, acamou em casa, sofreu outro e morreu no mês passado.
A lavradora quer viver, "quer tratamento  para a depressão".

8 comentários:

  1. Gosto imenso de ler os seus textos, são do melhor sobretudo naqueles dias em que nos levamos demasiado a sério e ficamos chatos. Mas se eu vivesse das consultas não escrevia assim ;)

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    1. obrigado, mas escrevia como?

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    2. O que eu queria dizer é que, se a maioria das pessoas for como eu, depois de ler os (bons) exemplos desta gente com tanta garra fica logo a achar que pode e deve tratar de resolver os seus problemas sozinho. (Por deformação profissional, pus-me a apreciar o alcance comercial dos seus textos, foi só isso).
      Bem haja!

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    3. eheheheh ...vero, por vezes.
      quanto ao alcance comercial, os dois livros do género que publquei ( na Bertrand e na Quetzal) venderam-se bem mas não vi um tostão ( isso é outra história)

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  2. A lavradora quer viver, "quer tratamento para a depressão"...isso é inato, não é?

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    1. O querer viver e lutar? Não sei, não creio, também se aprende ( voltamos ao Levi)

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  3. “A esperança tem asas. Faz a alma voar.
    Canta a melodia mesmo sem saber a letra.
    E nunca desiste. Nunca.”
    Emily Dickinson

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  4. Se o Filipe não sabe...que direi eu? Sim, aprende-se (quando há capacidade e meios para), mas parece-me q uma boa parte é inata.

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