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quinta-feira, 30 de abril de 2015
Manual de sobrevivência ( 22)
A vida é só isto? Trabalhar, casa, dormir, trabalhar? Não há mais nada?
Há. Quedas nas escadas, o Benfica, cataratas, affairs, insónias, vinho tinto. Julgo que o teu problema, assaz comum, está jacente a uma concepção utilitária da vida.
Tenta resumir a vida a ciclos finitos ( dias, semanas), ou seja, usa o microscópio. Encontrarás bactérias.
quarta-feira, 29 de abril de 2015
Manual de sobrevivência (21)
Não sei para onde me virar. Estou cansada, já nada me interessa, tenho a sensação de que a minha vida foi um desperdício, um enorme desperdício.
Se a pena de morte é o mais premeditado dos assassínios (pp 30 se te interessar), a desistência da vida é o mais impulsivo dos renascimentos. Podes refazer tudo, voltar a falhar com entusiasmo, templar a gosto a desilusão.
Terás sofrido, sem dúvida, mas repara: estamos cá para ser vencidos pela vida, mas ela é amável e deixa-nos tentar as vezes que forem necessárias.
sexta-feira, 24 de abril de 2015
Manual de sobrevivência ( 20)
Como é que alguém larga a mulher e a filha de repente? Que insatisfação é esta?
Certas almas desetendem-se com a proximidade. Como dizia a condessa Mikháilovna, cousinage, dangereux voisinage.
Pode ser uma questão de velocidade. De repente ou devagar, o resultado é o mesmo. A culpa faz o resto e por isso ele foge de ti. Seja como for, foi apenas uma antecipação, porque, sabe-lo bem, tudo acaba quando começa.
Manual de sobrevivência ( 19)
Tenho medo de estar sozinha. Pode dar-me alguma coisa e depois ninguém me acode.
Os humanos transformaram um instinto numa indústria. Air-bags, capacetes, alarmes nos elevadores.
Seria excessivo dizer que tens uma atracção pelo outro lado, mas é razoável postular que pensas demasiado no fim, ao contrário do suicidas, que só querem a libertação.
Como ninguém te acode, aceita que tudo depende ti. Não irias em teu auxílio?
terça-feira, 21 de abril de 2015
Manual de sobrevivência (17)
Queria tanto ser feliz. É pedir muito, caramba?
Não. É bem razoável. Talvez te possa ajudar. Quando acordares não mexas um dedo. Deixa-te estar deitada toda a manhã e imagina tudo o que irias fazer. Levar os miúdos à escola, enganar o marido com o colega do lado, beber um café na esplanada ao sol.
Depois levanta-te e anda.
Manual de sobrevivência ( 18)
Não suporto a hipocrisia. Desprezo-a.
A hipocrisia como o nome indica, é um efeito de palco. Deduzo, portanto, que não gostas de teatro.
O que te posso aconselhar? Coisas reais: o assassínio, a guerra, o suicídio, a sepultura em vida.
domingo, 19 de abril de 2015
Manual de sobrevivência ( 16)
Os meus filhos desiludiram-me, apostava tanto neles.
Olha, os meus saíram à mãe, graças aos deuses, caso contrário não apostava mais neles do que num cavalo coxo.
Perdoa-me o desvio. Voltando ao teu assunto, sempre te pergunto: eles não são o que desejaste? Parabéns, conseguiste evitar a repetição de uma triste história.
Manual de sobrevivência ( 15)
Não existe verdadeira amizade, sinto-me traída.
Parece-me impossível: se te sentes traída por amigos é porque os tinhas, portanto, existiam.
A amizade é um produto da evolução. Os humanos imaginaram relações fora da competição - sexual, recursos , territórios, ideias - e a coisa corre muitas vezes bem, mas é apenas imaginação.
Cabe-te decidir se voltas ao planeta dos macacos ou se ficas neste.
quinta-feira, 16 de abril de 2015
Manual de sobrevivência ( 14)
Quero fazer uma coisa que não quero fazer porque tenho vergonha.
Bem, tanto podemos estar a falar de uma técnica sexual como de meter uma cunha ( curiosamente, ambas equilibram os contextos).
Só a necessidade pode resolver o pleito. Ela ajuda-nos a decidir se queremos ou se podemos.
Manual de sobrevivência ( 13)
Não confio em ninguém, não me consigo prender a ninguém, tenho medo de voltar a sofrer.
É um mal moderno desde que Flaubert escreveu a Bovary. Confundimos a relação com a situação.
Gostarias que os deuses te passassem uma garantia terrena, mas eles não vão nisso. A escolha é entre a alegria da derrota ( por morte ou abandono) e a certeza do calendário.
quarta-feira, 15 de abril de 2015
Manual de sobrevivência ( 12)
É no meio de muita gente que me sinto mais sozinha.
O célebre síndroma Maria Guinot, muito comum no facebook. Invejo-te, porque não suporto casamentos nem hipermercados e cada vez menos as pequenas reuniões.
A solidão é um exercício de liberdade, salvo na cadeia e no cemitério. Certas almas dependem tanto da aprovação dos outros que gostariam de fazer amigos na paragem do autocarro.
Manual de sobrevivência ( 11)
Confesso, sou ciumenta. Fiz tudo por ela e agora não suporto partilhá-la, tenho de participar em tudo o que faz.
Aprendemos tanto com as bestas. Tive uma cadela assim. Comia o vomitado, como todos os cães.
O que te posso dizer? O único ciúme que entendo é o sexual. É o único que não descansa com a posse e diz em voz baixinha "não relaxes, não relaxes". Os outros - entre amigos, sogras e noras, irmãos, o teu - são neurastenias incuráveis, bolores do espírito.
O que te posso dizer? O único ciúme que entendo é o sexual. É o único que não descansa com a posse e diz em voz baixinha "não relaxes, não relaxes". Os outros - entre amigos, sogras e noras, irmãos, o teu - são neurastenias incuráveis, bolores do espírito.
terça-feira, 14 de abril de 2015
Manual de sobrevivência ( 10)
Arrisco pouco, sou um cobarde.
O homem que salvou a Rússia de Napoleão, o Sereníssimo príncipe Kutuzov, também tinha essa fama. Recuou, esquivou-se, calculou. Foi vilipendiado por Alexandre e por Wilson, o homem dos ingleses em S.Petesburgo, mas não desistiu.
Há lá algo mais belo do que não desistir de desistir?
Manual de sobrevivência ( 9)
Estou deprimido porque fiz os quarenta. Estou deprimida porque fiz os cinquenta.
Têm razão. É muito aborrecido viver meio-século. Existem culturas avançadas em que a esperança média de vida só chega aos 38 ( Serra Leoa) .
Na antiga Roma, os homens e as mulheres de bem suicidavam-se quando se achavam enfraquecidos ou quando as suas vidas traziam desonra às famílias: Catão e Lucrécia ( depois de ter sido violada) foram bons exemplos.
domingo, 12 de abril de 2015
Manual de sobrevivência (8)
As crianças perturbam a conjugalidade.
Também leste a socióloga? Mais valia seres analfabeto. Sim, de facto, ainda não atingimos o nivel evolutivo dos leões machos que matam as crias do derrotado para as leoas entrarem em força no cio.
Haveremos de atingir um outro patamar espectacular: as crianças nascerão em incubadoras e virão a casa dos pais aos fins de semana. Isto descansará a socióloga.
Manual de sobrevivência ( 7)
Há alturas em que tudo corre tão mal que só me apetece desaparecer.
Começa por evitar manuais de autoajuda com pensamento positivo: ensinam-te a sobreviver num mundo que não existe. Precisas é de dinheiro, trabalho e colinho, a famosa esperança sendo-te tão útil como a pulga é ao cão.
Deixa a auto-ajuda e passa à hetero-ajuda: dobra-te, rasteja, suplica, engana, distorce. Parece-te mal, meu pequeno príncipe escanzelado? A mim não me pareceu e ao Primo Levi também não.
quinta-feira, 9 de abril de 2015
Manual de sobrevivência ( 6)
Não tenho autoestima.
Auto? Não falemos de garagens. Amor-próprio sabe melhor. Não o tens? Depende. Tudo o que não perdeste ainda tens, logo, se não tens amor-próprio é porque o perdeste, portanto, já o tiveste.
Como se perde uma coisa assim? Por desleixo, como um milionário perde uma moeda de dez cêntimos.
Manual de sobrevivência ( 5)
Sinto culpa, muita culpa. Quero livrar-me dela mas não consigo.
A veline, a censura ( da folha de papel velino na qual os fascistas enviavam aos jornais o que pretendiam*), é poderosa. Não sabes, por exemplo, que uma leoa não se sente culpada diante da carcassa da zebra. Sim, já sei, os aldrabões disseram-te que a culpa da culpa é da religião judaico-cristã. Se o Freud tivesse popularizado mais coisas do Sófocles, por exemplo, o Ajax, a coisa piava mais fino.
Trata a tua culpa como tratarias uma velha amiga: perdoa-lhe os exageros, mas recorda o passado.
* cortesia Umberto Eco
Trata a tua culpa como tratarias uma velha amiga: perdoa-lhe os exageros, mas recorda o passado.
* cortesia Umberto Eco
quarta-feira, 8 de abril de 2015
Manual de sobrevivência ( 4)
Não me sinto realizado. Não gosto do meu trabalho, não sou valorizado.
Conheço um homem que toda a vida serrou madeira. Quarenta anos a serrar madeira. Teve filhos, cães, caçou, comeu duas vizinhas, assou leitões, espancou um GNR que o chateava, sobreviveu a um cancro.
Vai ter com os idiotas que te convenceram de que um homem se realiza a serrrar madeira: pode ser que te dêem valor.
Manual de sobrevivência ( 3)
Não suporto a perda dele. Estou sozinha no mundo desde que ele morreu.
Convencemo-nos de que somos indivisíveis, mas é falso. Somos feitos de muitas partes. Algumas vamos perdendo, outras vamos ganhando. Perder uma maior significa que também somos feitos de partes vazias.
Ou te matas ou deixas que ele viva através de ti: também somos feitos de ficção.
terça-feira, 7 de abril de 2015
Manual de sobrevivência ( 2)
Não consigo decidir entre o meu marido e o homem que me aparece nos sonhos.
Nem tudo é mau. Por alguma razão, misteriosa, não engravidaste a dormir.
Quanto ao suposto dilema, não temas. O homem dos teus sonhos visita-te todas as noites e o telemóvel não te trairá. O incómodo é ilusório desde que nunca sonhes acordada.
Manual de sobrevivência ( 1)
Não gosto de mim. Sou gorda, sou feio, sou baixa, sou ignorante.
Problema incrivelmente simples de resolver. Convence-te de que és outra pessoa qualquer. Por exemplo, funda um partido de esquerda, serve a palavra de Deus, arranja um cão.
Se não funcionar, conta os dias em que te deitaste sabendo que não magoaste ninguém. Ao fim de um mês já te suportas, ao fim de um ano já não precisas de comprimidos.
quinta-feira, 2 de abril de 2015
Manual de autodestruição ( 30)
As injustiças deste mundo fazem-me doente.
Bem..., Cristo esgotou os pregos?
Bem..., Cristo esgotou os pregos?
Manual de autodestruição ( 29)
Aderi ao veganismo e faço reiqui.
Ainda bem que os neandartais trabalharam para ti.
Ainda bem que os neandartais trabalharam para ti.
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