Cormac MCarthy, em A estrada, mostra que a nossa casa depende muito mais das pessoas do que das paredes. O pai e o filho, o laço, faz de casa onde quer que eles se encontrem. Chegar a casa depois do dia de cão vale muito. E não vale nada se não estiverem as pessoas que queremos.
Tenho gente em terapia que vive sozinha. Desde mulheres jovens e independentes a senhoras de muita idade. A propósito, a senhora do outro dia, que mal consegue percorrer a extrema do quintal, retomou a tese de mestrado sobre Francisco Bugalho, o pai de Cristovão Pavia, poeta que já trouxe muitas vezes aos blogues. Poeta esquecido. Sem casa.
Dizia então que essa gente que vive sozinha é admirável. Faço sempre a mesma pergunta, sobre o momento em que metem a chave à porta. Suponho que gostam, sobretudo as mais novas ( as outras é outro mato). Um antropólogo francês, Marc Augé, que já esteve em Portugal, pintava a casa das cores da retórica familiar: o sítio onde não temos de nos justificar. Deve ser por isso que quando chego a casa passo pela mulher, pelos filhos, atravesso a sala e desaguo no terraço com a minha boxer e uma bola. Passados dez minutos estou pronto para o ( bom) pow-wow familiar.
E os que, nestes dias de retórica ácida, chegam a uma outra casa, com gente que está com outra cara e nada têm para dizer, muito menos para ouvir? Está por fazer o levantamento das baixas no refúgio.
Enfim, não terei sabedoria para fugir do lugar-comum…
ResponderEliminarCom o tempo fui perdendo as pessoas de quem gostava e que viviam comigo no dia-a-dia. Momentos houve em que vivia sozinho e feliz; outros em que vivia em solidão e infeliz. Tudo na mesma casa, talvez intervalado por um dia ou dois. A solidão que transforma as casas grandes demais pode ser causa nossa, ou dela sermos vítimas. O tema não é simples, mas é dramático, nalguns casos. Mas disso, como de outras coisas, saberá muito mais do que eu.
Lembro-me do Eça que falava na solidão que imprimiam as multidões estranhas. Tudo "coisas" que se ampliam nesta época que agora chega.
"E os que, nestes dias de retórica ácida, chegam a uma outra casa, com gente que está com outra cara e nada têm para dizer, muito menos para ouvir? Está por fazer o levantamento das baixas no refúgio."
ResponderEliminarEstá por alterar a palavra refúgio, Filipe. De certa forma, era aí que queria chegar com aquele comentário lá para baixo sobre o anonimato. Não se chega à minha idade mandando bitaites como quem faz pipocas, essas companheiras de filmes. Se um blogue é terapia (e acho absolutamente que sim, sim, sim, com todas as exclamações possíveis), largar o anonimato (e repare que concedo 100% na invenção de um nome: que o Gervásio se torne Joaquim, que a Manuela se torne Paulina) é meio caminho andado para a eficácia da terapia. Agora, Anónimo? Anónimo? Uma identidade é meia estrada feita.
agora percebi, Alexandra
EliminarDizia então que essa gente que vive sozinha é admirável. Admirável, porquê?
ResponderEliminarestá lá no texto:
Eliminar"E não vale nada se não estiverem as pessoas que queremos".
Admirável por saber viver sozinha? Os homens não sabem viver sozinhos. Preferem viver com sucedanios a estarem sozinhos, uma mulher já é mais difícil aceitar isso.
EliminarA minha casa sempre foi o meu porto de abrigo. Por isso é que passo o dia fora dela. Quando as miúdas eram pequenas e iam de férias para o pai passava dias meia zonza sem saber o que fazer. Agora que elas cresceram e seguiram a vida delas, saio de casa todos os dias faça chuva ou faça sol. Quando regresso sinto que cheguei ao paraíso. Maria
ResponderEliminarÉ complexo sim senhora. Acho que a solidão que se sente em companhia é pior, mais terrível do que aquela que se sente sozinho.
ResponderEliminar~CC~
E quando:
ResponderEliminar"I hear that you're building your little house deep in the desert
You're living for nothing now. I hope you're keeping some kind of record" ?
estava por acaso a ouvir ...