Se a coragem idiota ou a obstinação irracional podem trazer-nos sarilhos, o excesso de cautela também. Quantas pessoas não tive no gabinete que se recusaram a arricar um milímetro...
O excesso de cautela, para o que nos interessa aqui, vem muitas vezes das personalidades obsessivas, variação dubitativa. Ponderam, analisam, voltam a ponderar e ficam imobilizadas. O problema é que os problemas não esperam por elas. Arranja-se assim um desencontro entre a história do mundo e elas.
O Duque de Medina-Sidónia ( o VII) ficou na História como alguém dado à paralisia. Protagonizou episódios caricatos na batalha naval com os ingleses ( um recuo e uma viagem de regresso à volta da Grã-Bretanha) e um outro em Cádiz. O Conde de Essex chegou, conquistou a cidade, bateu nos gaditanos e foi-se embora. Medina-Sidónia congelou e só depois apareceu. Cervantes dedicou-lhe um trecho admirável de ironia:
Ido ya el Conde, sin ningún recelo,
Triunfando entró el Duque de Medina.
"Quantas pessoas não tive no gabinete que se recusaram a arricar um milímetro..."
ResponderEliminarSerá que não arriscaram ao entrar no seu gabinete? No seu, não pessoalmente, entenda-se, mas na função que exerce.
João.
Já dei aqui exemplos de muitas que arriscaram muito ( e muito mais do que entrar num gabinete), não atingi a dúvida....
EliminarParece-me que na fenomenologia do obsessivo - e uso aqui fenomenologia para distinguir aquilo que é geral ou generalizável e pode pertencer a teorias, daquilo que é particular e que só pode pertencer ao consultório - tudo o que é provido de algum significado, em freudiano tudo o que é investido de líbido, está rodeado de riscos imensos e o que para muitos seria apenas um pequeno gesto para o obsessivo pode ser como uma carga de cavalaria.
ResponderEliminarNeste sentido, a entrada no consultório do psicólogo pode já ter sido, para o obsessivo, um acto desta natureza e porque não é fácil viver em constantes cargas de cavalaria é também possível que o obsessivo, sempre chamado à alternativa entre o acto extremo ou nada, apareça muito como nunca fazendo nada.
Além disso, uma vez que o obsessivo, não sendo psicótico, tem uma compreensão plena das conveniências, do que é aceite e não aceite social e legalmente, é possível que a sua própria tendência a fazer de cada acto uma carga de cavalaria amplie os escrúpulos obsessivos, amplie o medo de transgredir, de ir para além de qualquer retorno a si - o medo da loucura, por exemplo.
Digamos que a minha opinião aqui é apenas a de uma simpatia para com o obsessivo e o seu predicamento.
João.