Os processos de decisão são, para mim, um dos melhores indicadores de saúde mental e esta é, também para mim, dependente em alto grau da autonomia do sujeito. Por exemplo, um neurótico obsessivo que aprendeu a controlar o círculo vicioso da redução da ansiedade é tão saudável como o tipo da esquina. Resulta daqui, portanto, que os processos de tomada de decisões são a expressão da autonomia.
Quando alguém já examinou todo os ângulos, já pesou todos os prós e contras, já ouviu conselhos e , ainda assim, continua indeciso, costumo fazer uma pausa e um silêncio e pergunto-lhe: O que é que você quer? A vontade das pessoas não é geralmente matar o vizinho ou roubar o banco do lado, por isso não se adora aqui o deus hedonista de pernas tortas. Os indecisos não são sociopatas.
Há muitos factores que colaboram para que o sujeito tenha medo da sua vontade. Uma educação parental asfixiante ( pela adoração ou pelo castigo), uma situação perigosa ( nestes empreendedores tempos, o ter de emigrar), o matagal amoroso etc. O receio de executar a sua vontade , no entanto, é sempre um medidor da falta de confiança da pessoa. Isto explica que, no amor, alguém troque a humilhação pela companhia.
O trabalho de restauro é sempre delicado e leva algum tempo. Costumo propor à pessoa uma espécie de Sykes-Picot: não fazes o que queres mas também não fazes o que não queres. No território vago ensaiamos pequenas incursões até o sujeito começar a confiar no seu raio de influência.
Eu não sou terapeuta, portanto tenho uma forma talvez menos "agressiva" (não encontro outro adjectivo, por isso coloco este sob aspas, já que não é de agressão que se trata) de colocar as coisas nisso do processo de tomada de decisão. Há decisões que exigem tempo de maturação, algumas delas parte considerável da vida das pessoas. Há outras que, de tão prementes, são tomadas acto contínuo, como impulsos (que não o são tanto assim, um impulso é uma resposta com a sua história). Olhando para a minha vida conturbada, diria que tenho tomado decisões destas duas formas radicais. As decisões que tomei conscientemente, com uma ponderação de horizonte temporal previamente demarcado (e foram algumas) obtiveram os piores resultados (e os menos previsíveis).
ResponderEliminarMão cheia, mão vazia, penso que é assim que a maior parte das vidas se faz.
Enfim, como diz o Filipe no seu registo 'blogueiro' já sobejamente conhecido, isto dá pano para mangas e seguramente voltará ao tema, uns posts lá adiante :)
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Relendo o meu comentário antes de o submeter à moderação, reparo num pormenor curioso. O adjectivo que escolhi não está assim tão distante da sua forma de confrontar os seus pacientes (salvaguardadas todas as margens, colocando aspas, também aqui, claro).
Se reler a primeira frase do segundo parágrafo verá que estamos a falar de coisas diferentes, Alexandra.
EliminarNão se trata do tipo de decisão, falo da incapacidade de decidir de acordo com a nossa vontade.
E sim, continuarei mais para a frent e até porque estetexto já é continuação de outras matérias.
Sou, no gabinete, uma hidra: tanto me levanto e dou a mão ( e um lenço de papel para as lágrimas) à pessoa como a interpelo sem luvas ( nunca com agressividade)...
Não estamos a falar de coisas diferentes. Li e reli o seu texto antes de o comentar (nem sempre o faço, mas hoje fiz). Passa-se que não sou terapeuta, Filipe, embora tenha um potencial de freguesa considerável :) que recuso, e com o qual vou aprendendo a lidar. Eu acho que as pessoas sabem sempre o que querem, se convidadas a pronunciarem-se, ainda que dentro de 4 paredes que se somem depois de um convite formulado por um profissional. Lá fora, o profissional é o paciente (e eu acho que o paciente responde a si mesmo, é esse o seu convite enquanto psicólogo, que o paciente se escute).
ResponderEliminarPorra (obedecendo aos meus impedimentos) Filipe, publique rapidamente os outros comentários.
ResponderEliminarde que fala? Publiquei tudo.
ResponderEliminarÉ inacreditável, tratando-se de um dos assuntos que mais tocam os indivíduos numa sociedade tão constrangida como esta em que vivemos.
ResponderEliminarOlhando para trás, verifico algo muito curioso: todas as decisões que tive de tomar ao longo da minha vida aconteceram no imediato. Quando a questão se põe, rapidamente chego à decisão. A partir desse momento, nada mais causa ruído, interferência. Nem mesmo opiniões contrárias. E na verdade, não sinto que tenha feito más escolhas ao longo da vida.
ResponderEliminarContudo, vivendo tempos mais difíceis ultimamente, dou por mim com pequenas indecisões e sucessivos adiamentos. As grandes decisões continuam a ser automaticamente ponderadas; as pequenas arrastam-se e tornam-se um problema.
Manuela
Bem visto. As pequenas são mais do lado da recopensa ou punição imediata e talvez alguma as fragilidade receie
EliminarSempre tive dúvidas acerca de uma grande decisão na minha vida. Neste momento não tenho dúvida acerca disso. Na altura que tomei consciencia que tinha decidido tenho dificuldade em pequenas decisões, por exemplo, o que levar vestido, o que ponho na mala, o que fazer quando tenho tempo livre, etc. Habitualmente não tinha esta dificuldade...Parece ser ao contrário deste comentário.
ResponderEliminarEm 1971, já lá vão portanto uns bons anos, um psiquiatra americano George Cockcroft, (PhD, Psycology-Columbia University), sentindo-se aborrecido e frustado com a clinica decidiu passar a tomar decisões consoante o que resultasse do lançamento de dados.Dizia ele que a vida era demasiado complexa e imprevisivel para que qualquer conselho informado que pudesse dar aos seus pacientes pudesse obter melhores resultados.
ResponderEliminarE daí resolveu escrever um livro, sob o pseudónimo de Luke Rheinehart, intitulado “The Dice Man” onde defendia esse método como sendo um meio perfeitamente aceitavel para tomar as grandes ou pequenas decisões.
O livro causou grande sensação e um não menor escandalo na Academia, e deixou seguidores ainda hoje. Por exemplo, visitando o site diceman.co.uk, encontrarão os autores que descrevem a experiencia de viajar pelo mundo confiando nos dados para conhecerem as coordenadas do próximo destino, (e não só).
É obvio que nenhum terapeuta razoavel aconselha o método, e a abordagem convencional consiste em explicar que se devem apreciar as decisões analitica e emocionalmente, procurando um equilibrio, ao mesmo tempo levantando a questão se o objectivo consiste numa necessidade real ou não passa de vagos desejos.
Mas o problema do decision-making traz outras consequencias que aqueles que vivem no limbo da indecisão devem conhecer, tal como outro americano, Sidney J. Harris, decreveu com invulgar clareza :
“O arrependimento por aquilo que se fez pode ser curado com o tempo, mas aquele que resulta daquilo que não se fez, esse não tem remédio”.
A sabedoria da afirmação de Harris resulta de nós conhecermos muito bem as consequencias das escolhas de vida que fizémos, mas sonhamos com o muito melhor que ela teria sido se tivessemos tomado outro caminho. E para isto não há solução.
Tal como disse Benjamin Disraeli :
“A juventude é a idade da asneira; a idade adulta a da luta; a velhice a do arrependimento”.
Ainda bem que concorda.
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