Fome, desemprego e solidão. No continente culpam uns, na Madeira culpam outros. Tanto faz. Estas três palavras parecem juntar-se com harmonia. Lido assim, sem pôr nomes e caras, a coisa engole-se Tiro a fome - quem vem à consulta consegue comer - e fico como os dois ases.
A situação mais comum é a da pessoa entre os 30 e os 50 que ficou desempregada. Se for, por exemplo, mulher e divorciada, a conversa azeda. Os homens vão para os copos, têm sempre uns biscates ( sobretudo os daquelas zonas arraçadas de cidade) , uns tijolos a assentar para um primo, umas voltas com o tractor do vizinho. Elas não.
L., tem 48 mas parecer ter 60. Divorciada há dez anos, escriturária e semi-contabilista, um filho já crescido noutro ponto do país, duas relações que acabaram muito mal. Not a charmed life. A empresa vai fechar. O que se diz a uma pessoa assim? O pudor resguarda-me do "tem de lutar", do "ainda é nova" etc. Tem uma amiga, mais nova, nas vinhas para os lados de Pau. Óptimo, uma aberta, recosto-me e passo de trivela. Ela não precisa de dizer nada. É esta a minha recompensa? À beira dos 50, sozinha, ir trabalhar na agricultura para Farnça? Para quê?
"Para quê?" é a pergunta certa. A devastação inspira estas reflexões de condenado. Noutro planeta chamam-lhe mobilidade y empreendedorismo.
SEI lá pra continuar viva ?
ResponderEliminarnos anos 80 havia velhotas de 60 que pareciam ter 80 a fazer isso na renault
por 100 francos ao dia a faire la ménage
e nos anos 90 russos de 70 anos e reformados com 300 rublos ao mês uns anos antes a carregarem tijoleira de cimento e barris de ácido por 64 libras semanais
o que até foi bom porque antes os velhos a estragar as costas do que eu
porque é que faziam isso?
e para quê?
bolas nem me questionei a mi porque o fazia..
acho que nunca o saberei
o eu que era eu emigrou um dia e até hoje não voltou
e o gajo inda me deve uns 6contos e quinhentos que lhe emprestei em 81
filho du pai e do spirito sanctum
Viver ou sobreviver?
ResponderEliminarCurioso, basta escarrapachar o prefixo para virar o sentido do avesso. Seja como for está mal aplicado: devia dizer-se subviver...
Texto fantástico. Retrato amargo da sua profissão. O ultimo parágrafo, por si só, é meio post.
Subviver... vou aproveitar.
ResponderEliminarE eu aproveito para atirar um acento ao último.
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