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quarta-feira, 27 de novembro de 2013
A trégua
Os casais em ruptura relembram as primeiras desavenças porque lhes é impossível recordar os primeiros beijos. A memória da relação é de elefante kali.
Esta operação é comum a outras faunas. No trabalho que te aborrece, nos filhos que fazem o seu caminho, etc. A ruptura obriga-nos a extrair do passado tudo o que possa justificar o presente do abandono. É uma política de proximidade, melhor lembrada pelo conselho de um dos maiores: one is not duchess/ a hundred yards from a carriage.
Fico sempre fascinado pelas partes desavindas que no espaço do tempo revivem as tais desavenças originais e pecaminosas, mas continuam a dormir a centímetros um do outro. Ou que trocam presentes no Natal como se o outro presente pudesse ser cancelado.
O animal humano é o único capaz de matar o amor. Chama-lhe trégua.
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"O animal humano é o único capaz de matar o amor."
ResponderEliminarMuito aprecia o Filipe estas afirmações destinadas a que as contrariemos (claro que não vai tentar persuadir-nos que são os cachorros e as iguanas os únicos capazes de preservar o amor).
Voltando ao seu texto, o que detecto (e passei por isto, cheguei aliás a receber um muito belo - outro - colar de pérolas barrocas , fio de prata e turquesas no último Natal em comum) é a intensa imaturidade emocional das pessoas, que invariavelmente oferecem para manter ou para receber, em troca. A memória - chamemos-lhe recordações, no conjunto - é uma generosidade muito rara integralmente dependente da maturidade dos indivíduos, não há como contorná-lo. Se, ao invés de progredirmos nas relações como personagens de comédias românticas, nos dedicássemos mais a construir projectos comuns (a educação dos filhos, por exemplo), talvez o prestígio da memória comum não saísse tão lesado das relações e, por essa razão de emoções feita, as pessoas se revelassem melhores guardiãs do melhor das suas histórias comuns.
(um aparte sobre a trégua, que vejo há muitos anos sob uma outra perspectiva: creio que a maioria dos casais desavindos beneficiaria muito de pequenas separações físicas no calendário conjugal - que, no conjunto, tem fases absolutamente penosas, como é sabido e no qual existirão talvez raras, muito raras, excepções: tempo, essa preciosidade para pensar a sós, com as alembraduras devidas).
Somos os únicos capazes de matar o amor porque somos únicos capazes de o criar. Sugestio veri.
EliminarEssa da separação física tenho de pegar nela, aliás estava no prelo.
E gosto das alembraduras, Alexandra.
Será possível, Filipe, que ninguém mais além de terapeutas e divorciadas comentem estas coisas?
ResponderEliminarolhe que não, drªAlexandra, olhe que não...
EliminarA Alexandra quer que uma não divorciada e não terapeuta comente?
ResponderEliminar"O animal humano é o único a matar o amor", porque talvez seja o único com lobo frontal suficiente para o romantizar.
A Alexandra considera que nisso da romantização que enuncia há mais de propriedade e território que outra coisa qualquer. Talvez também por isso a sugestão de uma separação física temporária assuste a maioria das pessoas. A 'proximidade', o lacinho comum com revirados e a campainha de presença dependurada no colo parecem constituir de tal modo factores de segurança que tudo o mais é ficção.
Eliminar"campainha de presença dependurada no colo". Não sofro deste problema.
Eliminarsugestão de uma separação física temporária assuste a maioria das pessoas...definitivamente não pertenço a maioria.
Olhe que sim, Filipe Nunes Vicente, Psicólogo profissional há 21 anos, olhe que sim...
ResponderEliminarPela primeira vez comento, apesar de ser leitora assídua e várias vezes já ter tido vontade de deixar a minha opinião. Saio agora do silêncio porque o post fala de algo que eu própria descobri: que é possível matar o amor (tolice minha, muitos já tinham descoberto, mas até esse momento eu não sabia que isso se podia fazer). E matei um amor que ainda existia mas me matava a mim. Não lhe chamei trégua, nem foi uma trégua. Foi um corte para poder seguir em frente.
ResponderEliminarRecordo os primeiros beijos tal como as primeiras desavenças, talvez até melhor os primeiros. Apenas não consigo (nunca mais conseguirei) voltar a olhar para o passado - nem para os bons, nem para os maus momentos - com as lentes cor-de-rosa de uns vinte e tais anos muito verdes, que julgavam que o amor chegava. E, sem essas lentes, ficou à vista o quanto me enganei. Cresce-se, assim. E tudo o que veio a seguir passou a ser visto com lentes que não enganam nem deformam. Muito melhor.
E comenta muito bem.
EliminarObrigada por assim achar! :) Acrescento uma coisa. Dizia que as lentes, agora, não enganam nem deformam. Devia dizer, antes, que não o fazem como as anteriores, porque qualquer lente deforma, no sentido em que modifica. Faz ver grande ou pequeno, esborratado ou mais nítido; foi este o caso, o da maior nitidez e conformidade com a realidade.
EliminarObrigada por assim achar! :) Acrescento uma coisa. Dizia que as lentes, agora, não enganam nem deformam. Devia dizer, antes, que não o fazem como as anteriores, porque qualquer lente deforma, no sentido em que modifica. Faz ver grande ou pequeno, esborratado ou mais nítido; foi este o caso, o da maior nitidez e conformidade com a realidade.
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