Quero morrer, só me apetece morrer, mais valia morrer, já tentei matar-me. Ouço isto dezenas de vezes por mês e não me gasta a empatia, mas na volta conheço gente que põe as coisas em perspectiva. Já cá trouxe uma mulher que aos vinte e oito anos ficou sem o estômago, vive sozinha numa aldeia serrana com uma pensão de invalidez gorda como a Kate Moss, e com quem trabalho à distância, no teclado, quando não aceita uma consulta pro bono.
Na semana passada, conheci uma lavradora de 70 e muitos. Em nova perdeu três filhos de uma vez. O marido tinha comprado uma caçadeira e deixou-a encostada a um canto do logradouro, com uma caixa de cartuchos ao lado. Um irmão da senhora, na altura ainda gaiato, quis chumbos para a fisga e abriu um par de cartuchos. Feito o trabalho fumou um cigarro e atirou a beata sem olhar. Os miúdos moreram assados como leitões no meio da palha e da carqueja. Passados uns anos, outro filho meteu-se na droga, acabou preso no Linhó. Mais uma volta da ampulheta e a senhora lerpou duas mastectomias: radical à esquerda, parcial à direita. Finalmente, há cinco anos, o marido sofreu um AVC, acamou em casa, sofreu outro e morreu no mês passado.
A lavradora quer viver, "quer tratamento para a depressão".
Gosto imenso de ler os seus textos, são do melhor sobretudo naqueles dias em que nos levamos demasiado a sério e ficamos chatos. Mas se eu vivesse das consultas não escrevia assim ;)
ResponderEliminarobrigado, mas escrevia como?
EliminarO que eu queria dizer é que, se a maioria das pessoas for como eu, depois de ler os (bons) exemplos desta gente com tanta garra fica logo a achar que pode e deve tratar de resolver os seus problemas sozinho. (Por deformação profissional, pus-me a apreciar o alcance comercial dos seus textos, foi só isso).
EliminarBem haja!
eheheheh ...vero, por vezes.
Eliminarquanto ao alcance comercial, os dois livros do género que publquei ( na Bertrand e na Quetzal) venderam-se bem mas não vi um tostão ( isso é outra história)
A lavradora quer viver, "quer tratamento para a depressão"...isso é inato, não é?
ResponderEliminarO querer viver e lutar? Não sei, não creio, também se aprende ( voltamos ao Levi)
Eliminar“A esperança tem asas. Faz a alma voar.
ResponderEliminarCanta a melodia mesmo sem saber a letra.
E nunca desiste. Nunca.”
Emily Dickinson
Se o Filipe não sabe...que direi eu? Sim, aprende-se (quando há capacidade e meios para), mas parece-me q uma boa parte é inata.
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