Muito antes de publicar sobre a perda já predicava na clínica sobre o sistema que conheço bem demais. Mais do que o trabalho, a única coisa que podemos opor ao desastre é a criação. Vem isto a propósito de uma pequena aposta que fiz comigo: se aquela mulher ( Judite de Sousa e só menciono factos públicos) regressar ao trabalho em três meses, está salva. Ganhei a primeira parte...
Comparo uma perda brutal a uma cidade bombardeada. Nos dias seguintes não há nada: água, luz, tempo, crianças a brincar. Aos poucos um homem começa a vender umas batatas velhas, outro descobre um poço e começa a puxar água, uma mulher recolhe dois orfãos etc.
A resposta proporcional, a única que podemos contrapor à destruição é a criação. Mais nenhuma tem a mesma dignidade e força. Vemos assim que não basta o trabalho. Tem de haver uma sobreposição ao fatum e tem de passar pela criação de mais fatum. Pode ser um novo projecto, um novo amigo, criar leitões, o que quiserem.
Sachsenhausen foi o primeiro campo de concentração a usar o Arbeit macht frei ( o trabalho liberta) à entrada ( Hoss copiou-o depois para Auschwitz). Acertaram, as bestas, mas substituiria trabalho por criação.
Sou mãe de filhos e se algum deles morresse uma parte enorme de mim morria também, e só não morria toda porque os outros iam precisar tanto de mim e eu não podia negar-lhes a minha presença, o meu apoio, o meu amor. Trabalhar também tinha de ser, até porque temos de comer... Claro que um emprego anónimo será seguramente mais fácil de retomar do que um emprego envolvido em mediatismo. O que já não compreendo, e custa-me a aceitar outra justificação que não seja "fazer chorar as pedras da calçada", é o genérico do programa, com a exibição do estilo "luto-chique", que envolve até a escolha de adereços a condizer (um anel gigante, preto...) e afins. Isso é exploração da imagem para ganhar audiências, e nada mais. Mas é apenas a minha opinião.
ResponderEliminarpois não vi o programa, raramente vejo o entertainer -mor.
Eliminarmas nem sempre é assim: há pessoas que não conseguimos pôr a trabalhar outra vez...
EliminarCaro FNV, a analogia está muitíssimo bem esgalhada. Eu, e que Deus assim me mantenha, livre de tamanhas tragédias, presumo que morria, todos os dias, até morrer! Constranjo-me, com enorme compaixão, ante os pais que já tiveram de enterrar um filho! Mas há um ponto que, sendo ou não intrigante, me desperta um elevado interesse.
ResponderEliminarO facto, causa concausa, será sempre equivalente!? No sentido de se abstrair em absoluto da causa da morte (ou da destruição)!!? Em que sentido poderemos distinguir a perda (morte, destruição), dos que perdem, por facto imputável culposamente a outrem (ou, nos casos de destruição, ao próprio ou próprios em termos colectivos) e por facto proveniente do acaso, do puro absurdo, de uma propriedade minguante intrínseca ou da manifestação divina!!??
Na analogia que aqui nos trouxe sou convocado a pensar as mil imagens de cidades bombardeadas e, simultaneamente, a destrinçar entre os que se vêm vítimas e se animam de revolta apertando laços de irmandade com o vizinho e assim redimem as perdas e a destruição dos que se enegrecem da vergonha da destruição que sofrem, com a contrição de causadores, cedendo à letargia e minguando isoladamente!! Será!? Ou é elementar equívoco da tentativa de dar sentido ao mundo e à alma das gentes!!?
Um bem haja
A culpa? Do meu ponto de vista é outra gaveta, pese existir por vezes passagens secretas, sim.
EliminarSei bem do que fala, como sabe, que já aqui vim um ou outra vez falar da perda de filhos. Se de alguma forma os filhos são o princípio da nossa eternidade, à Judite de Sousa a vida tirou-lhe isso, por ser mãe de filho único. Não é despiciendo.
ResponderEliminarQuanto à criação ser a única coisa que vence "essa" barbárie, tendo a concordar consigo. Havia a fé, a descoberta do sentido da vida, mas não sei se isso são outras gavetas.