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quinta-feira, 13 de março de 2014

Das mortes


No outro dia diziam-me que agora quando a gente morre as redes sociais prolongam  as despedidas e a memorabilia. Bem, suponho que era inevitável. Se no amor as redes sociais fazem o papel de casamenteiras, na morte desempenham o de carpideiras.
Há uns anos segui o blogue de um  homem com cancro. As sessões de quimio,  notas de humor, pensamentos mais submarinos, enfim, de tudo um pouco. Registei o aplomb, mas não mais do que isso. Faltava raiva, faltava gasolina.
Desde que  a tive em casa e  comecei a escrever  sobre Ela, e a trabalhar sobretudo com perdas, tenho a impressão de que lhe perdi um bocado o respeito. Erro fatal, claro, que pagarei com língua de palmo. Às vezes estou  no gabinete com um homem, o P.,  ainda jovem, que já só anda de canadianas e está incontinente. Morre por dentro com esclerose lateral amiotrófica. Leva-me dezenas de páginas escritas à mão. Sobre a morte, poesia etc? Não. Sobre política. Política internacional, geopolítica, política doméstica.
O P. não liga muito ao que lhe digo, mas aprecia falar  comigo. Um arranjo que me convém porque acredito pouco, ou nada, no que lhe digo. Excepto quando o  Álvaro de Campos fala pela minha boca: estamos todos na véspera de não partir nunca.

8 comentários:

  1. "Morre por dentro com esclerose lateral amiotrófica." Como podemos "tratar" quem está a morrer? Estou a frequentar uma formação na APP e coloco tantas vezes essa questão, sobretudo quando vejo que me vou perdendo na beleza da teoria. O pensamento de autores da psicanálise que vou conhecendo fascina-me. A complexidade, o sentido daquilo, quase poético. Mas, depois, a pergunta: o que faz a teoria perante a maior dor? O que faz a teoria nos casos em que não há nada a descobrir, nada digno de análise, mas apenas um facto, o de que o mundo está contra nós?

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    1. Não há só "tratar". Olhe, aproveitando a Alexandra ai em baixo, há o estar com, o resistir com etc.

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  2. Em casa de enforcado não se fala em corda... Fujo da corda como o Diabo da Cruz. Já agora nem em Corda nem em Diabo nem em Cruz, abençoadas geopolíticas ou seja lá o que for!

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    1. Concordo! Diria mais, o P., ao falar de outros assuntos, recusa-se a morrer por dentro.

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  3. Todos, incluindo os 'mortos'.
    Não raro, sinto esta vontade tremenda de sorrir não para ti, mas contigo :)

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  4. "Há uns anos segui o blogue de um homem com cancro. As sessões de quimio, notas de humor, pensamentos mais submarinos, enfim, de tudo um pouco. Registei o aplomb, mas não mais do que isso. Faltava raiva, faltava gasolina." Eu também segui um blogue idêntico, era uma pessoa muito querida, seria o mesmo? Não sei, sei que me impressionava imenso a maneira como falava do assunto, quase desprendida. Seria uma defesa? Não sei, e morreu muito antes do que ele próprio esperava. Teria esperança? A cabeça dessas pessoas deve funcionar de uma forma diferente daquelas que racionalizam o assunto mas não o vivem. Teresa Verde

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  5. pois talvez, eu tive cancro suave, não sei do mortal mas se o tivesse tido não estava aqui a escrever...

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