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segunda-feira, 17 de março de 2014
Corridinho
Separarmo-nos de alguém não tem segredos. O outro passa a suplente, depois deixa de ser convocado e finalmente é posto na lista de transferências. Agora, separarmo-nos de nós é uma história de massacre. Este livrinho conta como é.
Sem memória esvai-se o presente que simultâneamente já é passado morto. Quer o Cardoso Pires dizer que é a memória que faz com que o tempo não seja apenas medido mas também sentido. Um demenciado diz que vai ali falar com a mulher que já morreu há uma dezena de anos. Isto todos entendem, mas o Cardoso Pires colhe mais uns abrunhos.
A memória é uma advogada de barra. Quando julgamos ter provado os factos, ela puxa de um articulado e obriga-nos a recordar outros. As memórias dos meus filhos quando eram pequenos são ensombradas pela impossibilidade de recuperar esses instantes. Por vezes chego ao ponto de invejar os doentes demenciados que todas as semanas vejo. Uma estupidez que o Cardoso Pires cura.
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Há muitos anos, estava eu nos meus vinte e poucos, ofereci esse livro a alguém que estava em vias de perder, mais do que a memória, a própria existência (perder a memória também é uma forma de perder a existência, mas refiro-me à vida física). Fi-lo inconsequentemente: foi o primeiro livro que me chamou a atenção na livraria e nem cuidei de ver de que tratava. Uns dias depois, essa pessoa pôs-me na mão um livro de poemas do Al Berto, «Horto do Incêndio», e assinalou um verso: «o horizonte é uma lâmina». É um verso que, quer nos momentos de alegria, quer nos de tristeza, nunca mais esqueci.
ResponderEliminarposso estar a dar um tiro ao lado do assunto do seu post, mas a mim apetecia-me ser demente naquilo que nem sequer são recordações. do que quero e não consigo. quantas às outras, que são recordações efectivas, já as vou arrumando em gavetas atafulhadas ou mal fechadas, mas seguem o seu devido caminho.
ResponderEliminarE quando o titular não joga como costuma??? Substituímos por um suplente, damos nova oportunidade ao ex titular, continua sem marcar golos, sem fazer uma exibição marcante, volta o suplente à titularidade... Como fica o treinador que com tanta teimosia deu tantas oportunidades ao titular e ele mesmo assim não as soube aproveitar? Refugia-se nas memórias de quando este jogador era um elemento essencial, as grandes vitórias, as derrotas mas com grandes exibições... É dificil colocá-lo na lista de transferências porque sentimos que é como se fosse uma parte de nós a ir embora. Afinal separarmo-nos de alguém não é assim tão fácil Filipe, acredite que tem muitos segredos...
ResponderEliminarum tour de force...
EliminarQuando li o De Profundis fiquei incomodada. Destruiu o conforto que eu acreditava existir no esquecimento. Quando o meu pai passou por um processo de demência, tive a certeza de que ele sofria imenso (e eu com ele). Por circunstâncias da vida, tenho assistido a estes processos de esquecimento e loucura. É assustador, para quem é um mero espectador, mas essencialmente para os protagonistas. Por isso, quando o assunto é esquecer-me de mim, penso sempre em saídas de emergência.
ResponderEliminarVerdadíssimo.
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