Camus, em A Queda:
Oui, nous avons perdu la lumière, les matins, la sainte innocence de celui qui se pardonne à lui-même.
Um participante, aqui do DC, no último post: Quando lhe entra um cobarde pelo consultório, o que lhe diz? A frase de Jean-Baptiste Clamence, o sorumbático interlocutor entre nós e Camus, é a que melhor me serve. Ele há muitas razões para sermos cobardes, no sentido que o autor da interpelação lhe deu ( não querer lutar). Seria um enorme erro julgar a pessoa por esse momento.
Recordo um episódio no meu gabinete. Fim de tarde, invernoso e chuvoso. há uns anos. Ela tem quarentas e um passado psiquiátrico mais longo do que a Grande Muralha. Vem de longe, já sem esperança. É bipolar de lei, certificada. Estou farta. Desisto. Sabe o que é sair de manhã de carro e já nem conseguir levar os meus filhos à escola? Trocámos palavras num registo invertido. Ela vinha dizer que já não queria dizer mais nada. Foi condescendente com as minhas tentativas, mesmo bondosa. Não me incomodou a minha impotência. Há muito, e nem sempre por boas razões, que a curei. Umas semanas mais tarde soube que se tinha suicidado. Já sabia.
Os maus não precisam de nada ( Crisipo, mais um da tribo) . Que estrada fazes quando já não precisas de ir para lado nenhum? Não é de cobardia que se fala aqui, é de um caminho que te afasta de tudo o que precisas.
O trabalho é tentar atalhos. Querer ter fome, proteger alguém, até imaginar uma necessidade. Quando já não existem atalhos, o terapeuta é um espectro que aparece ao espectro.
O trabalho é tentar atalhos. Querer ter fome, proteger alguém, até imaginar uma necessidade. Quando já não existem atalhos, o terapeuta é um espectro que aparece ao espectro.
Desistir é difícil. É até comum pensar que é mau. Julgo que trata um processo de crescimento ao qual acho que ainda não cheguei totalmente. Trabalho há metade do tempo de si, talvez seja um bom motivo.
ResponderEliminarTrata-se, é verdade, da minha incapacidade de me perdoar a mim próprio. Mas apenas?
ResponderEliminarTenho como vício a convicção ontológica: a diferença entre o "ser" e o "estar".
Posso "estar" deprimido e isso retirar-me as forças para lutar.
Posso "ser" cobarde e temer cada centímetro cúbico da dor do conflito porque simplesmente temo cada centímetro cúbico da dor do conflito.
Não?
Onde se fixa a fronteira entre a patologia e a falha de carácter?
É aí que me movo, nesse nevoeiro.
Sim, nunca me perdoando.
PM78
O mais interessante deste post é o paradoxo nele contido, que obviamente não mencionarei mas creio justificar plenamente a existência deste blog.
ResponderEliminarUm excelente interlocutor compreende tamanha afirmação.