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domingo, 29 de dezembro de 2013

Isolamento


É prima do desespero, tia da solidão, afilhada da depressão. Também é aluna da criação e professora do sossego. A sensação de isolamento é uma hiena, fisi.
Existe, no entanto, um mato onde esta fisi não deveria deambular. Mulheres, quase sempre ( uma excepção), queixando-se de se sentirem isoladas na relação. Tenho especial carinho por uma, trintona, afável, muito bem servida  no departamento estético. Está longe de casa, foi viver com o marido e as filhas para castelo estranho. Ele não lhe liga. Literalmente. Não só é um desperdício como a colocou na necessidade de procurar alternativas.
O isolamento faz-nos  sentir estrangeiros em casa ( experimentem fechar-se  no quarto durante dois  dias e até vistos  de residência vos pedem), imaginem numa relação. A nossa bela afável sente-se isolada da história que quis construir com o marido, sente-se imigrante ilegal com o amigo das redes sociais, esse lugar de trânsito para mercadorias avariadas ( roubando ao Soren).

quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

Alternativas


Depois da cidade destruída, vestigiamos nos escombros, cumprimentamos os ratos, arranjamos  uns plásticos e pomos à venda umas batatas velhas que escaparam.
A esperança é também isto ( continuo a preferir  a minha definição : a bala sozinha no tambor do revólver). Ela, ainda jovem de quarentas, está, literalmente, entre este  lado  e o outro, mas continua a fazer tudo o que tem de fazer. Porquê?
Falamos muito da alternativa. Não há alternativa. Diante do perigo real e imediato, todas as adversativas levam com falta disciplinar. Continuar não é um caminho a escolher, é a propria escolha.
A destruição é também isto: ficarmos reduzidos a uma vereda estreita.

sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

terça-feira, 3 de dezembro de 2013

A casa


Cormac MCarthy, em A estrada, mostra que a nossa casa depende  muito mais das pessoas  do que das paredes. O pai e o filho, o laço, faz de casa onde quer que eles se encontrem. Chegar a casa depois  do dia de cão vale  muito. E não vale nada  se não estiverem as pessoas que queremos.
Tenho gente em terapia que vive sozinha. Desde mulheres  jovens e independentes a senhoras de muita idade. A propósito, a senhora do outro dia, que mal consegue percorrer a extrema do quintal, retomou a tese de mestrado sobre  Francisco Bugalho, o pai de Cristovão Pavia, poeta que já trouxe muitas vezes aos blogues. Poeta esquecido. Sem casa.
Dizia então que essa gente que vive sozinha é admirável.  Faço sempre a mesma pergunta, sobre o momento  em que metem a chave à  porta. Suponho que gostam, sobretudo as mais novas ( as outras é outro mato). Um antropólogo francês, Marc Augé, que já esteve em Portugal, pintava a casa das cores da retórica familiar: o sítio onde não temos de nos justificar. Deve ser por isso que quando chego a casa passo pela mulher, pelos filhos, atravesso a sala e desaguo no terraço com  a minha boxer e uma bola.  Passados dez minutos estou pronto para o ( bom)  pow-wow familiar.
E os que, nestes dias de retórica ácida, chegam a uma  outra casa, com gente  que está com outra cara e nada têm para dizer, muito menos  para ouvir?  Está por fazer o levantamento das baixas no refúgio.

domingo, 1 de dezembro de 2013

Sem mãos

Um dos meus Mestres: querer sem motivo,  sofrer sempre, lutar sempre e assim sucessivamente até que o planeta se estilhace em pequenos  pedaços. É um programa completo.
A nossa saúde mental depende muito do querer sem motivo. É uma abertura genial. Recordo em particular um casal em que ambos, desde novos, tinham objectivos determinadíssimos. A meio caminho constato que boa parte desses objectivos (  a vida  a dois, o envelhecer  juntos etc)  falharam. Até aqui nada de especial, não fora a catadupa de consequências ( financeiras, acédia na familia, sobretudo com os filhos, negrumes avulsos).
A intenção permanente  do querer, a projecção  no futuro desse querer como se a felicidade fosse um impresso do IRS,  a ideia estapafúrdia e narcísica, porque impotente, de que o mundo existe para ser dominado. O fracasso, nestas condições,  tem um  sabor inesperado e, portanto, ainda mais doce.