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terça-feira, 24 de novembro de 2015

Rir, sorrir

Ultrapassando os devaneios freudianos ( 1905  e 1927) e os pós-freudianos ( milhares)  sobre a diferença entre a  piada ( chiste/witz) e o humor, carregados de energia, pulsões, superegos e outras carambolas. O riso e o sorriso, a intersecção entre eles, interessam-me mais. São poderosos afrodisíacos, são excelentes anqueos das relações. Excluo, óbvio, as manifestações nervosas ou dementes.
Os fanáticos - comunistas, nazis , fascistas ou jihadistas - odiavam/odeiam o humor.  É natural: é profundamente humano. Zoschenko é descrito pelo grande Vilhena como fino psicólogo.  Coitado,  tinha  sucesso e era querido até ao decreto  Zhdanov,  de 1946, que estipulou que toda  a arte tinha  de ser conforme à linha do Partido ( ainda há patos que julgam ser possível falar de arte soviética). O conto Despertadores é fabuloso: um homem guia-se pelo sol num dia ensolarado mas é acusado de chegar tarde à fábrica, porque o relógio atómico soviético  contraria  ...o sol.
Rir  e sorrir são afrodisíacos porque existem sempre  nas relações , ou momentos, em que o desejo está vivíssimo. Ou seja, não são nenhuma receita milagrosa ( não existem afrodisíacos), apenas pertencem, por direito, ao  prazer.

sexta-feira, 20 de novembro de 2015

Decisões, indecisões...

"Prefiro  que todas as igrejas  de Espanha sejam incendiadas a que um só republicano seja incomodado". Manuel Azaña, nas vésperas da guerra civil espanhola, não era um exemplo de indecisão? Falar é fácil.
O processo de decisão é das coisas mais reveladoras do estado emocional  do sujeito. Não tanto da personalidade porque a mesma pessoa pode apresentar em pouco tempo modos diferentes de decidir.Tratemos da indecisão.
Há meia dúzia de anos, uma mulher, trintona  e jeitosa, entrou-me no gabinete a esconder  o que queria contar.  Vivia enterrada numa aldeia beirã, era casada com um desleixado e tinha um café. O cliché foi inevitável. Tomou-se de amores por um vendedor que a tirava daquele buraco e  a aproximava do mundo das novelas e das revistas. O problema é que o problema arrastou-se no tempo e ela não conseguia decidir : acabar com tudo ou contar ao marido? A primeira significaria ficar sem a luz da sua vida miserável, a segunda o reconhecimento de que não tinha força para enfrentar o marido, a família e  aldeia. Um dia chega e diz-me que o marido morreu. 
A mulher nunca chegou a decidir, mas nem assim descansou. As decisões têm um lado de troféu, são o produto de um trabalho  em que nos envolvemos. A indecisão prolongada  revela, da minha experiência, um desconforto do sujeito: não com o resultado da opção mas com ele próprio.

segunda-feira, 16 de novembro de 2015

A propósito de sociopatas parisienses:

A Rita, nos comentários ao  post anterior

"a falta de clareza não era acerca dos sociopatas e das suas conhecidas experiências, mas sim a relação que coloca entre o desejo e antidesejo, que não percebi patavina".

Odiar alguém e amar alguém  são categorias lexicais  do  desejo: desejar o mal do outro / desejar o outro. Também têm em comum a formalidade  do processo, a  encadernação, e, por vezes,  a sentença final: já não te /me desejo/as.
O problema, e agora acrescento, é que usei a  expressão antidesejo como  uma declaração política:  considero que desejar o mal do outro  não chega  bem a ser um desejo. Daí o prefixo.
Blanchot dizia que o desejo é a distância tornada sensível. É a melhor de todas. Implica a capacidade de sentir a pele do outro mesmo que  a mil quilómetros e a  mil interditos de distância . Os nazis, como os sociopatas jihadistas ( estou a falar dos indíviduos, não do movimento),  eram incapazes de estar um dia sem tocar nos judeus, ciganos, homossexuais. Antidesejo: a proximidade tornada insuportável.




domingo, 15 de novembro de 2015

Antidesejo

Em 1942, 50% ( 38.000)  dos médicos alemães estavam inscritos no partido nazi. Os  médicos do Instituto  para Pesquisa  em Psicologia e Psicoterapia  de Berlim acreditavam  na cura  dos homossexuais. Em Buchewald,  Carl Vaernet e  Gerhard Schiedlausky  castravam e  injectavam hormonas masculinas nos homossexuais  presos  ( usavam um triângulo cor de rosa)  sob  o artigo nº175 do código penal  ( fonte).

O antidesejo é muito parecido com o desejo. Se estivermos excessivamente ligados a uma pessoa, conseguimos imaginar uma droga que nos liberte. A diferença para os sociopatas nazis é que não sabemos para que serviria.


Mudar, separar, ligar

O  que nos muda?  Este da foto, uma vez velhote,  continua  a juntar-se de vez em quando  à manada de origem quando as pernas lho permitem. O  resto dos dias passa-os sozinho

Não me refiro estritamente às imposições - velhice, doença, reforma -, mas ao que depende da interpretação do que nos acontece. Falo, portanto, de uma  acção da vontade.
Amadurecer significa separar de forma mais nítida, ligar de forma mais intíma, explicou Hoffmansthal, que almoçava cá em baixo   enquanto o  filho se matava no andar de cima.  Isto pressupõe o  tal exercício de criatividade. Se ficarmos apenas diante do que  nos  acontece, resta-nos a amputação ou fuga.

Separar de forma mais nítida. Implica, por exemplo, aceitar que é mais orgulho do que  tristeza o que nos mói quando alguém nos trai.
Ligar de forma mais intíma  passa por descobrir que temos memórias de quem gostamos que alimentam tanto  o  desejo como o presente.

quarta-feira, 11 de novembro de 2015

Padrões


 Se seguíssemos grandes felinos, distinguiríamos uma leoa adulta  de um macho jovem junto de uma poça de urina: sendo a pug mark quase igual, a distância entre as patas traseiras é sempre maior na fêmea. No veld fóbico e/ou obsessivo, encontrar os traços, as diferenças, aquilo que distingue.

Na diminuição  obsessiva, puxar o filme atrás: não para desvarios psicanalíticos, antes  para encontrar  a altura da vida em que  a pessoa perdeu confiança. Uma mudança de escola, a doença da mãe, um corpo disforme na altura X.

Na locomotiva fóbica, não tanto o passado mas o catalizador da crise de pânico. É preciso trabalho de detective igual ao anterior, mas mais aborrecido: esquadrinhar o quotidiano,  repetir o exercício infinitamente. A certa altura ele começa a tomar forma, mas nunca como imaginámos. Pode ser um pensamento obsessivo ( daí   a mistura), uma determinada hora do dia, a sensação de fome etc.

O padrão importa porque é a partir da sua identificação que podemos ajudar a pessoa a destruir a ideia de inevitabilidade, de  impotência diante do distúrbio. Começa o fim do irracional.

sexta-feira, 6 de novembro de 2015

Pequeno guia para homens casados não perplexos diante delas

Parafraseando Maimônides. Aqui vai:

1)  O sexo começa de manhã. Por isso talvez seja bom  não berrar com ela todo dia e esperar quentura toda a noite.

2)  Se lhe perguntares o que ela está a pensar, ouvirás apenas o que queres; se lhe pedires  uma opinião, ela dirá o que lhe apetece.

3) Reconhecer a superioridade de seres que pensam em mil coisas ao mesmo tempo. Estamos para elas como um boi está para um  cão-guia.

4) Elas só  têm duas posições políticas na casa: mudar a casa ou mudar de casa. Cautela, portanto, com as sugestões.

5) Para elas, falar é comunicar. Para nós, é perder tempo.  Assim começam grandes enganos e pequenas traições.


terça-feira, 3 de novembro de 2015

Ao trabalho: autoanálise


Não da minha vida, credo, mas da técnica. Estando no auge das minhas capacidades como psicoterapeuta, onde tenho falhado mais e onde tenho tido mais sucesso?

1) Falhas:

- Melhorar a conclusão das sessões. As pessoas gostam de mapas. Não podemos elogiar  um restaurante e depois dizer-lhes que fica ali na Beira Alta.

- Tolerar mais a incapacidade masculina de organizar as ideias. Felizmente tenho poucos homens em terapia, mas merecem um esforço.

2) Sucesso:

- O estilo.  Tem funcionado  muito bem. Se  as pessoas quisessem gatinhos e flores,  ficavam no facebook.

-  O acompanhamento  por email. Significa  ( muito) mais trabalho, mas cumpre uma velha regra: neste negócio a dedicação é exclusiva.

domingo, 1 de novembro de 2015

Ao trabalho: elogio do cinismo ( escola...)


Um bocadinho de teoria, hoje tem de ser.

 A página tantas, Cícero ( Tusculanas, V: XXIX) discute a posição dos peripatéticos sobre a dor em oposição à dos estóicos. A acção meritória deve ser  levada  a cabo  apesar do sofrimento.  Isto fez com que  Teofrasto se  aproximasse dos estóicos , sempre criticados pelo radicalismo da virtude acima de tudo. Não deixa de ser curioso quando hoje, na linguagem comum, associamos o estoicismo apenas à capacidade de suportar a dor . O ponto é a acção meritória, a dor é uma nota de rodapé.

Ora, fazer o que temos  de fazer  é muito próximo, por  sua vez, da regra de ouro dos cínicos. O nome da escola vem do grego  kunikos, ser/fazer como um cão. Várias teorias, a que me parece mais razoável  vem do nome do ginásio  Cinosargo ( cão branco / cão rápido)  onde ensinava o pai fundador , Antístenes.  A tal regra de ouro,  a askēsis: viver de acordo com a natureza, desprezar as convenções. O ponto comum entre a escola cínica e a escola  estóica é a aceitação do destino natural  modificado pela vontade de o perseguir.

A aplicação terapêutica  configura  uma disposição a passar às pessoas, nas palavras de Diógenes: Para quê viver,  se não te dás ao trabalho de  viver bem?