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terça-feira, 30 de junho de 2015

Terapia alternativa ( 8)

"Quando sinto o grande desejo de ser atleta, provavelmente é como se desejasse chegar ao céu e poder ser aí tão infeliz como sou aqui".

( Kafka, Diários, 16.X, 1921)

Do controlo (1)


Poucas coisas na terapia  me dão mais trabalho do que o manejo do controlo na. Há gente  obcecada por ele, há gente incapaz de o exercer; há gente que o confunde com um queijo, há gente descontrolada por prazer; há gente que toma medicação para o ter, há gente que toma medicação para lhe escapar.
Tento sempre partir da base: o autocontrolo ou, melhor, o autodomínio. Se não formos capazes de conter as emoções ou de as exprimir bem, de refrear a agressividade ou de a soltar quando necessário, de decidir friamente sem congelar  a decisão, enfim, se não conseguimos ser senhores do nosso pobre castelo, então não vale  apena preocuparmo-nos com os castelos dos outros.

(cont.)

quinta-feira, 25 de junho de 2015

Peau de chagrin


A simplicidade de que falamos  é esta provocação  que Rafael  faz ao químico Japhet. As coisas importantes são  mesmo muito simples:
Uma vida inteira de sofrimento e autocomiseração, milhares de horas de conversas, centenas de consultas, dezenas de internamentos e no fim um simples  segundo numa  corda ou numa linha de comboio. 
Dias e horas de explicações, análises e argumentos quando basta ver a fotografia da tipa:  vinte anos mais nova do que a legítima.
Reuniões, críticas, justificações, históricos diversos, dialécticas. O livro de cheques explica: o outro lado paga mais um milhão.

terça-feira, 23 de junho de 2015

Materialismo histórico-sexual

Estou sempre com Tertuliano : basta  no sentir e no olhar. O resto é coincidências, factores aleatórios,  contabilidade, política, diplomacia, traços e feitios.  Da casada muito compostinha, que não consegue esconder o  frisson diante do antigo colega, ao moralista, a quem a  andropausa faz descobrir coisas de filmes, o efeito de palco é devastador: tudo pode ou não acontecer.
As mezinhas terapêuticas, como as do artigo, explicativas ou até preventivas ( também as há) fazem as pessoas acreditar no espiritismo. O materialismo histórico leva, desta  vez,   a palma: não é a nossa consciência que determina o comportamento sexual, é a  variedade social deste  que  define aquela. De certa forma, somos o que podemos ser. Os totós tratam o concreto ( o affair)  como um tumor quando ele é a cura.

segunda-feira, 22 de junho de 2015

Do que se perde


Cada vez mais me interesso mais  pelo rogue, pela solitária, pelo que diz à  manada para ir dar uma curva; pelo que se marimba para o leite sem lactose e para o sushi, pela que nem faz ideia do que é o  facebook; pelo que  não discute marcas de gin e pela que fuma sem vergonha.
O pior da manada são os elementos  que  pretendem não lhe pertencer. São as que fazem plásticas ou emagrecem por motivos de saúde, são os que não imaginam a andropausa sem uma  moto ou uma tatiana  marisa a gemer-lhes  o jovens que ainda são.
Se a vida é um mal digno de ser gozado,  a manada é uma vantagem a desperdiçar.

sábado, 20 de junho de 2015

Terapia alternativa ( 7)

"Existência dentro de um tanque. Se moramos lá dentro  somos estúpidos e inacessíveis, caímos em todos os fossos, saltamos  por cima de todo os obstáculos, revolvemos a porcaria e profanamos a terra.
Só quando estamos assim sujos  somos invencíveis".

(W.Benjamin, Imagens de pensamento, 1925-1935)

quinta-feira, 18 de junho de 2015

A continuação da terapia com outros meios

Sim, com outros meios.  Muito curioso  pelo período napeolónico e pela queda dos Habsburgos,  comecei a interessar-me  por Clausewitz já tarde ( pouco antes dos 40). O homem nunca escreveu que  a guerra é a continuação da política por outros meios, mas com outros meios. Faz toda a diferença.
Desde 2012 que  invisto cerca de três horas diárias no  acompanhamento de pessoas via email ( ocasionalmente noutros suportes). São pessoas que já conheço e tenho em terapia/seguimento, como é óbvio. Três benefícios imediatos:

1)  Oferecer à pessoa a segurança de não estar sozinha,  numa altura difícil, qualquer que seja a hora ou o dia.
2)  Numa fase inicial, poupar tempo e dinheiro  porque muita informação pode ser recolhida entre sessões .
3) Preparar as sessões, libertá-las  dos pequenos casos do dia, centrar a atenção no trabalho essencial.

Para além de tudo isto, o pensamento escrito honra a matriz terapêutica. Liberta  a pessoa da ditadura do gabinete, dá-lhe a possibilidade de debater em pé de igualdade com o terapeuta ( no meu caso nem era necessário...).

terça-feira, 16 de junho de 2015

O self no coração ou no cérebro: bananas...

                                    
A imagem é retirada deste estudo. Uma bela treta.
Com a experiência que tenho de todos estes anos ( a minha única vantagem)  a  ver as vidas das pessoas desenrolarem-se à minha frente, não tenho dúvida nenhuma de que as pessoas mais felizes ( enfim...) foram as que decidiram emocionalmente. Falta explicar o que isso é...
Os histéricos,  sobretudo os ultra-narcisistas, parecem muito emocionais, mas são os filhos da mãe mais frios e racionais que conheço: sugam os outros até que todos à sua volta sejam tão miseráveis como eles. Por outro lado, tipos que tomam decisões ponderadas dão ares de iceberg, mas muitas vezes notei que essa ponderação levou em conta os interesses e   desejos de terceiros. O estudo lá refere a  interdependência. Significa pouco porque até o histérico é interdependente. 
Gente que dá, que se dá, que entrega o muito ou o pouco que tem ( tempo, dinheiro, paz, silêncio), não é gente necessariamente boazinha. É gente que pressente no laço humano mais do que o pasto para  a autosatisfação permanente, porque é gente que captou uma lei de bronze: se os outros estiverem melhor, eu fico melhor. Então digam lá: foi com o coração ou com a cabeça?


Credit: thinkstockphotos.com/Rice University
Credit: thinkstockphotos.com/Rice University
Credit: thinkstockphotos.com/Rice University

segunda-feira, 15 de junho de 2015

Democracia na terapia

 O espaço terapêutico,  como o entendo, é radicularmente democrático. De raiz e  de demo, que não quer dizer povo  mas lugar onde se  nasce/vive. A democracia foi feita contra  a monarquia, levando ao recenseamento   dos que viviam em Atenas ( e no resto da Ática), para garantir que a linhagem mais  forte não dominasse a cidade. Na terapia existem dois demos: o meu e o do outro.
Ambos assumem igual importância no desenrolar dos trabalhos. Distancio-me assim da figura demiúrgica.  Seja  a do psicanalista armado do seu mambo-jambo palavroso, seja a do psiquiatra  e da  sua colecção de amuletos e beberagens. Só entendo a terapia num quadro de igualdade, se quiserem, de isocracia : igual acesso ao  poder de transformar o estado de coisas.
Não sigo nenhuma escola holística de como deve ser a saúde mental e emocional, não aplico métodos universais. O respeito por quem tenho diante de mim, e pela sua fala, implica uma adaptação a cada caso.  
A minha responsabilidade é batida na experiência de muitos anos com a intimidade dos humanos.  É esse o meu trabalho: colocar à disposiçao de quem tenho de ajudar uma parafernália de problemas e soluções imperfeitas. Examiná-las, debater com a pessoa o caminho do bosque.

domingo, 14 de junho de 2015

Terapia alternativa ( 6)

"Não me sinto bem. Como se tudo o que alguma vez   possui me tivesse escapado e como se nunca me pudesse satisfazer ainda que me fosse devolvido"

( Kafka, Diários, 16.II, 1915)

quinta-feira, 11 de junho de 2015

Nem pensar


Dizia-me no outro dia uma mulher, que já ajudo ( enfim...) há muito tempo: "não vale a pena apaixonar-me, só colecciono desilusões".
 É tão banal como certíssimo.  A excitação só pode ter como alívio o fim.

Terapia alternativa ( 5)

"Ódio à introspecção activa. Interpretações como: Ontem senti-me assim por esta razão, hoje sinto-me assim por aquela razão. Não é verdade, não por esta razão e não por aquela razão e logo também assim e assim. Suportar  a vida tranquilamente, não cair  em precipitações, viver como se tem de viver, não correr às voltas como um cão".

(Kafka, Diários 9.XII, 1913)

quarta-feira, 10 de junho de 2015

Duas estóicas em carne e osso

Não tenho culpa da redução popular  do estoicismo à resistência e à abnegação: é um disparate abominável.  Hoje trago-vos dois casos reais  de pessoas que seguem uma velha regra de Crísipo: o prazer não é um salário, o amor   e a honestidade só existem se desinteressados.  São duas mulheres que tenho em terapia/ seguimento e em comum só o facto de serem louras e elegantes:

P.  trabalha  na banca, tem 32 anos, benfiquista, aguarda  há muito tempo ( uma  eternidade, vocês nem acreditariam se vos contasse)  que o seu amor decida entre ela  e outra. Enquanto espera não cede um milímetro ao que entende  dever ser a  vida, mas dá o corpo todo de cada vez que ele a  procura. Não esconde o que quer, não se importa com o que não recebe.

M.J.  42 anos, é cientista e substitui Dâmocles no banquete de Dioníso-o-Velho em Siracusa.  Tem um corpo biónico em virtude do avanço da técnica e de uma doença,  embora só o olhar traia por vezes a condição.  Trata a  fragilidade como um cão danado, aproveita todas as migalhas, guarda as fatias saborosas para quem precisa delas.  A espada pende  sobre a sua cabeça, mas calcula a distância e vive sem pedir  comiseração. 

Terapia alternativa ( 4)

"Não desesperes, não desesperes nem mesmo por não desesperares. Quando tudo parece ter chegado ao fim, novas forças avançam e isso mostra que estás vivo. Se não avançarem, então tudo chegou ao fim, mas desta vez para sempre".

( Kafka, Diários, 21.VII, 1913)

segunda-feira, 8 de junho de 2015

Estoicismo, notas; continuação



Uma discussão interessante  é feita por Cícero no  Tratado do Destino ( IX,17). Convida Diodoro, Epicuro e Crísipo: Tudo o que acontece  teve de acontecer. As proposiçoes sobre  o futuro  são tão verdadeiras como as sobre o   passado, ainda que nestas a impossibilidade de as modificar  sejam aparentes. Já sobre o futuro essa aparência não é tão evidente.
Isto é um dos eixos do estoicismo. Tudo o que aconteceu teve de acontecer representa o aceitar da vida no que ela configura  de pobre  luto pela nossa omnipotência.  A nota sobre a diferença entre o passado e o futuro é deliciosa. Aparentemente podemos modificar a representação do nosso  passado ( a culpa foi de X, não mereci Y, Z afinal foi bom). Já quanto ao futuro  essa nossa tendência para o falsificar é outro osso.
 Muita  da angústia que por aí grassa advém desta continuidade da falsificação. Como reorganizamos o passado de acordo com as conveniências do presente, imaginamos que o futuro pode ser igualmente arquitectado. Uma  leve suspeita, porém,  nos incomoda.  Se  renegamos o passado para melhor o poder suportar, tememos, claro, que as  proposições  que enunciamos sobre  o futuro ( ambições, desejos, grandes sucessos) também  não sejam uma maravilha de solidez.
Não é de admirar a angústia permanente, o reexaminar sucessivo e gaguejante do caminho que nos aguarda.  E isto tudo enquanto desperdiçamos vida.

quinta-feira, 4 de junho de 2015

Ponto de ordem: estoicismo e epicurismo nos tempos de hoje


Ao longo do tempo, muitos leitores/participantes   têm mostrado o seu saudável cepticismo diante da linha estóico-epicurista  ( escolas até historicamente adversárias) deste blogue. Compreendem  que para os desconhecedores  não posso aqui deixar fichas de leituras de Séneca, Zenão de Tarso, Epicuro, Epicteto, Horácio, Montaigne, Petrarca ( cripto), Lucrécio etc. Os  já iniciados também entendem que não posso abandonar o tom psicoterapêutico e mergulhar na filosofia sem luvas. Ainda assim, uma nota sobre  dois aspectos : o não desejar nada e o tempo como ciclo finito e sucessivo.
  Não desejar nada não significa não gostar de comer umas petingas amanhã nem a pele da que dorme ao nosso lado. Esses desejos são razoavelmente encaixados, tanto no que está ao nosso alcance como no horizonte temporal. Muito diferentes são os desejos de fama, riqueza, filhos geniais, beleza, saúde.
Isto entronca na perceção do nosso lugar no mundo. O que existe, o que está, é brutal. Não tem preço. Trocá-lo ou desprezá-lo, em função de coisas que queremos, leva muitas vezes ao desperdício da vida. E isso, posso eu garantir-vos, tenho visto muito ao longo de vinte e tal anos de trabalho.
Não se trata  de ficar insensível ao que nos acontece, como disse um leitor. Basta ser benfiquista para isso ser impossível. Antes pelo contrário, trata-se de respeitarmos a vida de tal forma que não desperdiçamos  nada, ainda que isso nos obrigue  a escolhas suspeitas.

terça-feira, 2 de junho de 2015

Manual de sobrevivência ( 40)

Você só me vem com filosofias complicadas e análises. Quero directrizes, coisas práticas. O que tenho de fazer para deixar esta porcaria de vida?

Morrer. É prático.
Em alternativa, deixar de desejar. Também é prático. Pois, pois, bem sei... há sempre um homem, um lugar na administração, um par de sapatos. Apesar de tudo, é possível. Desejar é uma roleta. Ganhemos ou percamos, queremos sempre mais.  Se a vida nos corre bem, o jogo é inofensivo, mas se  a vida está má o jogo é letal.
Não desejes nada. Tudo que conseguires é inesperado e surpreendente. Aprenderás então a dar-lhe o justo valor.

segunda-feira, 1 de junho de 2015

Manual de sobrevivência ( 39)

Tenho de ter sempre razão. Percebe... nas discussões e assim. Isto às vezes é cansativo,  mas fico desconsolada se não acontece.

Percebo a necessidade, é normal,  mas interessa-me  esse desconsolo.
Não ter razão sobre uma coisa  implica apenas  a coisa. Ou porque não a  sabíamos ou porque dela estávamos distraídos. As coisas não sofrem, logo não se desconsolam.
Ora bem, apesar disto tu ficas desconsolada. É curioso, é como se tu fosses  as coisas sobre as quais discutes. É  como se tomasses as dores de uma data, do nome de um autor, de um número. É desconsolante.



Terapia alternativa ( 3) : que numa dessas voltas tu viesses para mim