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sábado, 30 de agosto de 2014

Quem fica e quem vai


Uma das piores consequências da lalangue  psi foi a crença no determinismo das experiências infantis. Pais ausentes, mães  frias, proibições, divórcios etc. Muitos adultos que acompanho estão convencidos de que ficaram marcados e isso determina as suas escolhas actuais.
Quando  chegamos a adultos ( os homens amadurecem mais tarde....) temos  a possibilidade de corrigir. Para isso é preciso fazer falhar a educação que recebemos ( dizia o João dos Santos). Isto nada tem de revolucionário, é apenas inovação. Significa que temos de olhar de novo para o passado e escolher o que queremos  não repetir e o que desejamos manter.
Como em todas descolonizações, tal trabalho  não se faz sem alguma violência. Por exemplo, reeditar a nossa relação com a casa original. Destrinçar  o laço de poder com que ela costuma embrulhar o presente emocional.

quinta-feira, 28 de agosto de 2014

Divórcios

Já não o vejo há muito tempo.  Engenheiro,  casou e teve uma filha. Num pastiche  de novela,  a mulher  envolveu-se com o tipo do ginásio.A menina tinha três anos quando se divorciaram.
Seria de esperar  o rancor e o despeito com a consequente utilização da filha. Pois bem, este homem  combinou  com a ex-mulher um divórcio exemplar no que à educação da miúda diz respeito. Para não vos maçar, um exemplo:
  Estavam separados há coisa de meio ano quando recebeu em casa uma chamada da ex. A miúda fazia uma birra  gótica e clamava  que o pai a deixava fazer não sei o quê  ao passo que  a mãe era má. O nosso homem enfiou-se no carro e apareceu no quarto da miúda com a mãe dela ao lado: Tudo o que a mamã diz ou manda fazer é como se fosse eu a dizer ou mandar.



quarta-feira, 27 de agosto de 2014

Ele vem aí


O distúrbio sazonal ou SAD ( Seasonal Affective Disorder).
Existem centenas  de artigos, quase todos  de volta das hormonas e da quantidade de luz, sem chegar a nenhuma conclusão. O meu SAD  tem dezasseis anos  e prende-se com a coincidência do início do Outono com uma data terrível. É curioso, porque antes dessa data  gostava  do começo das aulas ( era professor), do primeiro cozido do ano, das feiras de vinhos, dos livros da reentré.
Segui uma senhora que tinha o mesmo problema. Como é óbvio, não fui capaz de ajudar muito porque não consegui criar a distância necessária ao problema. O leopardo amoita-se por antecipação e é esta que nos trama. Tudo o que rodeia o período fica  coberto de um  cacimbo que nos fere os ossos.
Bem, para os que sofrem do mesmo há uma boa notícia e é Hesse que a transporta: Pára junto ao roseiral/ sonha com o fim aprazado.

segunda-feira, 25 de agosto de 2014

Odradek

Nas Preocupações  de um Pai de Família ( uso a tradução de Willa  e Edwin Muir), uma curtíssima história de Kafka, aparece este ser, o Odradek. A palavra é  de origem eslava ou talvez a adaptação eslava do antigo alemão. Um ser meio-mendigo meio-pedaço de madeira, quase um espantalho feito de pedaços de roupa velha. Quando fala soa como o restolhar de folhas caídas.
Escreve o pai de família: Estará sempre  a rolar pelas escadas, aos pés dos meus filhos  e dos filhos dos meus filhos. A ideia de que me sobreviverá é particularmente  penosa.
Isto pode ser o que quiserem. Para mim é o que todos os pais sentem: estamos de passagem, estraguemos pouco.

sábado, 23 de agosto de 2014

Os tristes são mais sábios?

Não necessariamente. Nem "tristes" é coisa que devesse caber lá.
O realismo depressivo, que anda  sempre por este blogue,  pode ser catalogado como quem arruma a garrafeira ou a caixa das ervas ( estou sem carqueja), mas interessa-me divulgar um aspecto e não a generalização.
Um ingrediente essencial é a pessoa ter passado  por  coisas que  revolvem as entranhas. Alguns passam a fazer uma conta engraçada: a vida pode ser má, mas é melhor do que má e, por isso, boa.

Pesadelos


Os maiores pesadelos não são  a dormir, como toda  a gente sabe.
Ela, a C.,  é daquelas mulheres  que nunca esteve no meu gabinete  mais de um minuto sem se sorrir  e rir . É  do norte,  tem aquele jeito de restinga ( feitio de fox terrier) , anda pelos trinta e muitos , é bonita tipo gaiata. Fomos trabalhando o que havia para trabalhar ( o feitio...) e tudo se encaminhava para  a conclusão. Eis senão quando.
Ela tem dois  filhos, o mais pequeno arrastava há dois anos uns sintomas da área da endocrinologia. Falávamos  ocasionalmente disso como quem fala do aquecimento global. No outro dia veio a confirmação. O miúdo tem cancro.
Ela vai-me actualizando a coisa no email, eu envio-lhe beijos ( à distância sou simpático). Sei,  bem demais, o que a espera. Na melhor das hipóteses, um longo pesadelo do qual vai acordar esgotada mas feliz. Na pior,   a culpa, o esquadrinhar de todas as decisões, a burocracia do desespero.