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quarta-feira, 30 de outubro de 2013

A pescadinha


Em mais de vinte anos nunca ouvi queixas da vida sexual em casais de pessoas casadas com outras pessoas e conheci relações extra-conjugais  que duraram até seis anos.
O botão ( e que botão...) delas  tem um telecomando dentro da cabeça. Esse telecomando  deve ser accionado muito antes do outro. Às vezes 48horas antes. Ora, o companheiro distraído passa o dia calado, ou mal-humorado,  e à noite atreve-se.  Não ouviu a chatice que ela teve com um aluno, não notou a alteração que ela fez no quarto de hóspedes, refilou por ela ter chegado tarde de casa da mãe. Como o botão dele é um bocado solipsista, avançou. Esbarrrou-se, como dizem no norte. Os tempos actuais não ajudam nada, mas eles funcionariam da mesma forma se os tempos fossem outros. Elas, mais sensíveis, ou seja, mais compreensivas e inteligentes,  talvez se ressintam mais.
Num casal que vive em comum, o sexo começa dias antes. Antes de ser já era.

terça-feira, 29 de outubro de 2013

Espreitem

"One effect of present saturation is the production of a characteristic form of
sacrifice and consumption that is ultimately destructive. This form of sacrifice
involves a contradiction between the need to construct images of a future and the
desire to make the middle-class subject’s aspirations invisible because their open
expression makes that subject vulnerable. As when, for instance, the desire to buy
a new car is repressed out of the fear that having it will attract thieves, or the
desire to acquire an expensive education is repressed out of the fear that admit-
ting current deficiencies in education will expose the subject’s deficiencies".

México, crise, sacrifício.

domingo, 27 de outubro de 2013

Ansiedad


Se não quiserem o King, usem este  quizz, muito profissional.
A ansiedade é o tempo antecipado. Numa apresentação científica, num encontro  sexual, numa final da Taça,  na espera pelo diagnóstico de possíveis metástases. O que queremos  é apressar a a ampulheta, saltar sobre a flecha, repousar. Os ansiosos são gatos eléctricos.
Sim, há uma mais permanente, arraçada de angústia ou refogada com NOC, mas é de outro campeonato. O que me faz mencionar um caso recente que rebarba  as ideias feitas.
Apareceu-me à frente uma miúda de vinte poucos acabada de se licenciar numa dessas áreas modernaças-tekno que agora competem com os - e estamos no tempo deles - cogumelos. Fez-me lembrar uma actriz cujo nome  agora não recordo: pálida, olhos cinzentos, cabelos pretos compridos. Conhecia já um ou dois familiares, gente boa, mas nervosinha. Senta-se e desata  a chorar.  O Canaris de Coimbra faz a história  e nada, népias: tudo correu, até aí, bem. O problema: medo, ansiedade a calcar o futuro.
A miúda tem mais raça que um puro-sangue e não suportava a ideia de falhar. Mais: queria adiantar o relógio, saber "se dava". Deu. Um par de testes em "eventos" e já conseguiu duas encomendas para duas grandes, muito grandes empresas. Vi-a no outro dia: agora está sorridente mas  cansada. Os coelhos eléctricos são assim.

quarta-feira, 23 de outubro de 2013

Distâncias, lonjuras



O que acontece  quando queremos ter alguém num contrato de associação mas depois não conseguimos ter ninguém  a tempo inteiro?
A L. é uma mulher 30 anos, bancária, vive sozinha, faz o que gosta. Tem  uma história familiar que a faz desconfiar do purgatório das  boas intenções:  andou de um lado para o outro, entre pais e avós ( problemas de migraçoes, distâncias, chegadas). Passada a fase dos amores em prato do dia, sente agora a falta de um respaldo. Pois, mas tem uma pedra no sapato: como confiar?
A pergunta dela é uma boa pergunta, como dizia o Jim Hacker do  Yes , Minister, porque é uma pergunta que todos fazem, mas atira ao lado. A L. somatizou a ansiedade destes anos e, por incoincidência, foi a pele, a última fronteira, que pagou. Para sobremesa, desenvolveu um jogo de damas com o evitamento fóbico: só está onde pode estar. A ilusão do controlo também tem direito à vida.
O desejo é a distância tornada sensível, registou  um senhor  ( Blanchot) com que incomodo sempre os meus leitores de blogues. Uma das interpretações : o desejo é o que te torna indefeso, é o que anula a  distância. A L. tem olhado para  a confiança como condição prévia e por  isso todas as distâncias lhe parecem estradas de salteadores.

domingo, 20 de outubro de 2013

Decisões, indecisões

Os processos de decisão são, para mim, um dos melhores  indicadores de saúde mental e esta é, também para mim, dependente em alto grau da  autonomia do sujeito. Por exemplo, um neurótico obsessivo que aprendeu a controlar o círculo vicioso da redução da ansiedade é tão saudável como o tipo da esquina. Resulta daqui, portanto, que os processos de  tomada de decisões são a expressão da autonomia.
Quando alguém já examinou todo os ângulos, já pesou todos os prós e contras, já ouviu conselhos e , ainda assim, continua  indeciso, costumo fazer uma pausa e um silêncio e pergunto-lhe: O que é que você quer? A vontade das pessoas não é geralmente matar o vizinho ou roubar o banco do lado, por isso não se adora aqui o deus hedonista de pernas tortas. Os indecisos não são sociopatas.
Há muitos factores que colaboram para que o sujeito tenha medo da sua vontade. Uma educação parental asfixiante ( pela adoração ou pelo castigo), uma situação perigosa ( nestes empreendedores tempos, o ter de emigrar), o matagal amoroso etc. O receio de executar a sua vontade , no entanto, é sempre um medidor da falta de confiança da pessoa. Isto explica que, no amor, alguém troque  a humilhação pela companhia.
O trabalho de  restauro é sempre delicado e leva algum tempo. Costumo propor à pessoa uma  espécie de Sykes-Picot: não fazes o que queres mas também não fazes o que não queres. No território vago ensaiamos pequenas incursões até o sujeito começar  a confiar no seu raio de influência.

quarta-feira, 16 de outubro de 2013

E assim, só

Feeling blue?


A distinção é entre estar triste e estar deprimido é escorregadia. Por vezes desaloja a marca temporal. Hoje trago o meu exemplo. Tinha o meu filho mais velho treze anos e foi a uma viagem de finalistas do nono ano. Durante  essa semana andei angustiado e triste. Aparentemente, seria a preocupação com a viagem do miúdo ou com a sua ausência. Não era. O rapaz tinha um horário escolar que fazia com que almoçássemos juntos  todo os dias da semana. Falávamos de futebol ( com A Bola em cima da mesa, para análise detalhada) , rigolades e assim. Durante  essa semana almocei sozinho , mas também não foi isso  que me atirou ao tapete.
O problema foi uma cadeira vazia. Quando, uns anos antes, me morreu o João, com ano e meio, ficou a faltar um à mesa. A cadeira vazia  do jovem excursionista recuperou todo o mato desse dias. Uma angústia irracional, pesada como  o IRS, contratada pela advogada da memória, atropelou-me. A pergunta: fiquei deprimido ou apenas triste?
A distinção é relevante, porque as decisões terapêuticas afectam a vida das pessoas. Têm aqui o resumo das teses de um senhor que se ocupa da espitemologia da mental disorder. Tendo, com  a experiência, a considerar isto: a resposta não está  no que sentes, mas na forma como reages.
Ou seja, se ficamos estuporados pela tristeza, se lhe entregamos  os pontos, e por vezes não há alternativa,  é  a depressão; se analisamos e racionalizamos, reagimos.

domingo, 13 de outubro de 2013

Titular


Os espíritos como o meu não foram feitos para desenvolver os temas mas unicamente para inventar os títulos. Esta sentença de um dos  meus heróis,  Alfonso Reyes ( Tres Diálogos, Outubro de 1909), define com raça o funcionamento das mentes práticas, sim, mas também das criativas. A combinação nem sempre  existe. Há personalidades práticas nada criativas e, claro, gente criativa muito pouco prática. O que as une é  a capacidade de nomear.
Muitas sementes.  Titular uma acção, uma morte, um desejo, uma traição, coisas reais das vidas das pessoas. Não serve para nada?  Serve, serve...
Inventar títulos, reparem. Reyes escolhe bem as palavras. Significa que muitas vezes criamos uma história dentro da história e titulamo-la. Umas partilhas azedas, uns e-mails  dúbios, uma quebra de confiança. Inventamos o título e vivemos  com ele. Este poder de nomear o real é prático, porque nos dispensa de desenvolver a trama. Ela, por exemplo: O que ele queria era uma tipa mais nova.
A criatividade é menos  neurótica-reprimida. Também inventa títulos, mas na linha maníaca: em vez de tentar dar respostas para os problemas, inventa perguntas sobre os problemas. Um exemplo? O do rapaz que olha para os pais e murmura: Por que é que eles não vivem a vida deles?

quarta-feira, 9 de outubro de 2013

Não é por acaso

"Não é por acaso que, na rede de cuidados, por vezes eu reclamava mais unidades de cuidados paliativos. Mas o que faz sobretudo sentido é fazermos formação para que as pessoas que lidam com aqueles cujo ciclo de vida está a terminar sejam tratados com dignidade, de modo a que se sintam acarinhados e bem tratados nos últimos momentos da sua vida", defende Manuel Lemos".

É uma fraqueza que transpira os ossos. Não tens força, não tens equilíbrio, não tens dentes, não tens apetite. Com azar, começas a ter falhas de memória e de orientação. Escolhe assim um terceiro andar escanzelado  numa cidade que nem é a tua terra, os amigos já não visitas porque os cemitérios reservam a admissão. Dá leite ao gato.





segunda-feira, 7 de outubro de 2013

Depressão-quizz

Não está mal feito no estilo pronto-a-comer. Inclui até  três itens muito bem escolhidos.
Provocação de um realista depressivo: tente obter pelo  menos  19 pontos...

sábado, 5 de outubro de 2013

Rede e suicídio

A ligação perigosa. Não sei se leram  sobre o casal que morreu abraçado na cama do apartamento em Lisboa. Ele com cancro, ela ( funcionário do IPO)  deprimida, filhos longe. Onde quero chegar? Ao fogo ao pé da estopa. Outra vez.
Sim,  há milhares de teorias sobre os suicidas e as piores são as que generalizam. Em mais de vinte anos de trabalho  não consegui encontrar dois casos  iguais. A ligação perigosa é sobre  os factores, melhor, sobre a combinação de factores. Se lerem os dados disponibilizados pelas várias agências, oficiais e não-governamentais, concluem que  o apoio psico-social, em rede e de proximidade, pode ter efeitos  preventivos, mas que o melhor suporte é outro.
A rede familiar é a melhor e mais eficaz arma dissuasora do suícidio. Sempre que tenho à frente alguém que elabora sobre  a possibilidade de deixar de ter problemas com o IRS, tento colectivizá-la. Por ex., " não somos só filhos"  ou não somos só pais". É uma forma de trazer  Hemingway ( nenhum homem é uma ilha isolada), uma forma às vezes derrotada, é certo, de ligar o humano a outros humanos, como se o suicídio incendiasse a sala familiar.
Assim, o movimento inverso é o mais justo. Na ausência da rede familiar, a comunidade deve actuar. Tem de actuar.

terça-feira, 1 de outubro de 2013

Outonando à mesa







Dizia Trimalquião  ( no  Satyricon, de Petrónio) que o ofício mais difícil  depois da letras é o de médico ou de cambista. O de médico porque sabe o  que os humanos  têm na entranhas, o de cambista porque descobre o bronze debaixo do banho de prata.  Por conseguinte serviu um jantar especial anunciado pelo escravo de serviço através de uns bilhetinhos. O meu preferido é "sabores tardios e injúria": carne seca  e um pau com uma maçã. Serve o intróito para tentar juntar duas coisas: escrever sobre comida e antidepressão. Ora, o remédio é simples: Camilo.
Um dos maiores é o cego de Landim,  a quem Camilo ( que demonstra  a tradição do arroz de marisco, mas isso fica para outras andanças)   inventa um método de arrasar  as más-línguas:
- Mano António, agora dizem que denunciaste os da moeda falsa.
-  Compra anhos e capões;  atesta essas línguas em  pudim de batatas, embolamos  com âlmondegas,  deita-lhes aziar de ovos em fio, afoga-lhes os escrúpulos em vinho de 1815, menina.

Outonar na cozinha alivia o stress do distúrbio sazonal. A chuva acolhe o pretexto para os primeiros guisados. Um chambão de vitela em caçoila de barro, só amancebado com azeite, cebolas, tinto, alhos e colorau. De ervas junte-se-lhe tomilho fresco e oregãos em folha, daqueles que se trazem das férias algarvias, e em ramo. O decreto: vaca de pastagem açoriana, ou aroquesa, e forno de três horas lentas e gelatinosas, com o futebol do JJ.
Pois, mas ainda há tempo para a transição rápida. Tendes figos pingos de mel e uvas moscatel ou Fernão Pires? Tudo para a frigideira com uma cornetada de  vinho fino. Na travessa depositem uma espalmada de broa, raspada com um dente de alho só para dar cor. Depositem os frutos macerados e cubram-nos com uma fatia de Ilha cura prolongada  ou, ainda melhor, um cabreiro de Idanha.  Cinco minutos de grill vivo  e... mesa.
Se com boa mesa, e não cara, boa companhia e um tecto, não se antideprimem, então até à Primavera.