email para contactos:
depressaocolectiva@gmail.com

sexta-feira, 27 de janeiro de 2017

Diário de um psicólogo ( 22)

O Cenas da vida menor: histórias de violência sobre mulheres já está na editora. Quatro  histórias, duas  delas  pouco ortodoxas . Quinto livro. Recomeça tudo de novo. Revisão do texto, cortar gorduras. Menos tempo para o diário.

E o Benfica a encaixar golos como a areia  golfa ondas.

quinta-feira, 26 de janeiro de 2017

Diário de um psicólogo ( 21)

Sexo, ambiguidade sexual, pesos, MMA, raiva, drogas. Uma boa história ( a 1ªtemporada....)  porque sem lalangue psi nem desculpas de mau pagador. Uma prisão  a céu aberto.
Ainda a propósito disto e de ontem:  não há verniz civilizacional que se rompe  quando somos sujeitos a certos estímulos.  Adorno diz melhor: vivemos  numa prisão a céu aberto, é a mesma cultura que produz o verniz e a bestialidade. Daí  a história de Auschwitz e da poesia.

A cria mais nova está adolescente e politicamente discorda de mim em 80% das coisas. Discutimos, zangamo-nos, discutimos. Julgo que tenho uma pequena parte neste sucesso. Quase emocionado.

quarta-feira, 25 de janeiro de 2017

Diário de um psicólogo (20)

"The more total society becomes, the greater the reification of the mind and the more paradoxical its effort to escape reification on its own "(1949  "Cultural Criticism and Society").Foi neste mesmo ensaio que Adorno escreveu o muito mal citado entre bifanas: "É barbáro escrever poesia depois de Auschwitz ".
A coisificação da mente interessa muito ao psicólogo. As ideias-coisas são o cimento do delírio paranóide,  ciúme ou  grandeza).


Lembro-me sempre de uma irmã especial que morreu, de cada vez que como queijo flamengo com chá. É o lanche-aneurisma.

terça-feira, 24 de janeiro de 2017

Diário de um psicólogo (19)

Clemente não aprecia várias  manias dos gregos :  por exemplo,  os adultérios consagrados ( os outros a igreja veio a proteger). A de os homens se transformarem em estrelas, flores, fontes e rios,  aborrece-o ( Livro 10, XXVI) bastante. Clemente acha que isto devia  fomentar a cizânia porque cada coisa era dedicada a um deus. 
O que avançámos. Hoje pegamo-nos por causa do futebol.


O frio  não permite ainda  curar carne no terraço. Mais frio sff.



segunda-feira, 23 de janeiro de 2017

Diário de um psicólogo ( 18)

Criar uma situação. Gosto de vários desse tempo. Da Letrista à  Situacionista. Debord e Waneigem, claro, mas também o maluco do  Jorn. Previam que o helicóptero viesse a ser o meio de transporte individual dos anos 80.
Mais importante: os personagens deixam de ser  observadores passivos  e passam  a actores. Ora, para mim,  a essência da terapia é criar situações e arrancar as pessoas da passividade.

Estou sem  a minha droga. Cold turkey. Entre escritas, resolvi pendurar roupa lavada que ela deixou um cesto com a indicação expressa  de não mexer. Os viciados são assim.

domingo, 22 de janeiro de 2017

Diário de um psicólogo (17)

A vida sexual da maior parte das mulheres que vejo é tão interesante como uma couve. Por isso acolhi, no outro dia,  e com agrado, a problemática do multiorgasmo numa senhora de 66 anos. É evidente que o contexto em que as vejo  implica que muitas áreas da vida prazenteira  estão em baixo. O problema é que me relatam  que mesmo antes da depressão a coisa já era semi-vegetal.
Uma verdadeira  educação sexual seria gratuita, para adultos e em horário pós-laboral. E com um único módulo: a anatomo-fisiologia do prazer.


Hoje dormi bem. Ontem também. Devo estar a ficar doente.



quinta-feira, 19 de janeiro de 2017

Diário de um psicólogo ( 15)

Uma diferença elefantina entre eles e elas: o compromisso. Elas ligam-se às coisas como  se o mundo acabasse se falhassem. Pode ser um filho com más notas ou a doença da mãe velhota. Eles dispersam-se como espermatozóides. Está bem de uma maneira e está bem de outra qualquer. Claro que me identifico com eles. Claro que aprendo  com elas.

Com este frio, treinar logo de manhã. Oito e meia. Dois graus .Corrida, saco, pesos.
É bom fingir que se está vivo.

quarta-feira, 18 de janeiro de 2017

Diário de um psicólogo (14)

Se sobreviver , não me imagino  a levar o netinho à pastelaria no intervalo da hidroginástica. Pior só regressar ao jardim-escola João de Deus.
É verdade que vejo na clínica muitos avós satisfeitíssimos com essas actividades. Lembro-me sempre do Calvin a procurar a costura da lobotomia  na cabeça da Suzie quando ela dizia gostar muito de ir para a escola.

Três chávenas de café bem quente durante a manhã. Os estimulantes modernos ( e ninguém os descreveu como Balzac) são eficazes e viciam bem.

terça-feira, 17 de janeiro de 2017

Diário de um psicólogo (13)

Continuo a acordar  muito cedo. Sete e pouco. Correio para terapias em curso. Como foi a semana, como se resolveu aquilo etc. Uma ou outra mensagem de desespero: desaparece a lassidão e a pessoa de repente está ao pé de mim. Resposta imediata, plano de acção, incentivo. É o trabalho.


Mortes na família. A vacina que levei há muitos anos ( a morte de um filho)  tornou-me um velho gladiador desinteressado e arrogante. Combato isso também. A arena é de todos, somos todos irmãos.


segunda-feira, 16 de janeiro de 2017

Diário de um psicólogo (12)

Como  as pessoas constroem laços é mais interessante do que a forma comos os rompem. Sim, há na ruptura, sobretudo na lenta, um vivacidade tenaz. Ainda assim, na construção do laço habita um contraplano. Um pouco como um tipo que se engana na estrada mas não volta para trás.

Nas terapias há gente que me  esgota. Sugam-me  a energia, como dizem os tontinhos do reiqui. Bem, é compensar. Uma sesta impecável com a voz do Attenborough a descrever  a vida dura  de um tigre de Bengala.

sábado, 14 de janeiro de 2017

Diário de um psicólogo (11)

Quando começam a morrer ou a ficar doentes  os da nossa geração   e das nossas relações ( excluo as ditas celebridades),  sói dizer-se que tomamos consciência  do peso do tempo e da idade. Não entendo  bem por que motivo uns quilos  a mais ou uns dentes a menos não fazem o mesmo trabalho.

Estou melhor da insociabilidade. Cultivo contacos pequenos, mas regulares. Brevíssimos. Passo por simpático e bem disposto. Os búfalos cafres também conseguem-se esconder-se atrás de uma moita.

sexta-feira, 13 de janeiro de 2017

Diário de um psicólogo (10)

"Foi por causa do Ronaldo e da bola de ouro. Há dois anos, quando ganhou a terceira. Perguntei-lhe quando  foi a primeira, insisti e ele começou a barafustar; depois bateu-me. Foi a última vez que me bateu".  Ela tem quase setenta anos e ouvi isto ontem. Qualquer  pretexto  serve. Lá  dizia o cardeal de Retz: o Bem dá muito trabalho, o Mal faz-se sem esforço.

Fui para o terraço às 06.50h. Lua cheia misturada com o primeiro esboço  do dia. Tirei fotografias. Estúpido. Devia estar a dormir.


quinta-feira, 12 de janeiro de 2017

Diário de um psicólogo ( 9)

Hoje mais pessoas para ajudar. Quando eu preciso, quem é que me ajuda? Fácil: anti-inflamatórios, o saco de boxe e o Benfica.

Quase a acabar a enorme  História da PIDE, da Irene Pimentel. Já tinha lido outro ( gosto muito dela), mais intímo e detalhado. Há nos torcionários uma ingenuidade desarmante: acreditam nos presos e torturados. Querem acreditar.






quarta-feira, 11 de janeiro de 2017

Diário de um psicólogo ( 8)

As pessoas por dentro. Ouço tantas vezes isto.  Como são / o que são. E o que interessa isso? A maior parte do que interessa  vem do que as pessoas são por fora. As rosnadelas ou a má educação, mas também aquelas que fazem logo uma observação bem humorada . É o radar humano.

É  divertido ter no gabinete  alguém com vinte e cinco  anos, tendo-o conhecido com cinco. Dá uma sensação incrível de  empatia, são as consultas mais relaxadas que existem. Um humano confiar assim noutro é enternecedor. Acontece que é  apenas a conveniência, um dos muitos nomes da necessidade.

Apontar:  Manchester x Liverpool,  domingo, 16h.






terça-feira, 10 de janeiro de 2017

Diário de um psicólogo ( 7)

Os ovos biológicos  ( oferecidos ou comprados) estelíferos  em azeite que tinha  apenas quinze dias ( três tons de verde claro com uma pitada de amarelo  espesso)  quando  o senhor F.L. mo trouxe. Pão  rústico, um copo de tinto. A melhor ceia, serôdia, depois de horas de parque humano.

Quanto mais conheço os humanos  mais gosto deles. Não me ladram, vestidos com camisolinhas para o frio,  nas varandas todo o dia.
O que se esforçam as pessoas . Algumas  fazem 200km ( ida e volta )  para uma sessão de psicoterapia. E tentam aplicar o que combinamos. E insistem.

segunda-feira, 9 de janeiro de 2017

Diário de um psicólogo ( 6)

Ontem de volta  dele. O livro de histórias de violência sobre mulheres está com a edição estagnada, um amigo meu anda  a tratar disso,  mas sou bem capaz de o publicar online; o que faz falta é avisar a malta, o resto já  não me interessa.

Nunca me preparo bem para o início da semana. Um misto de optimismo com enfado. Como os velhos nos velórios: é mau mas não foi comigo.

sexta-feira, 6 de janeiro de 2017

Diário de um psicólogo (5)

Por várias razões, no mesmo dia, três  pessoas com um ponto em comum na biografia: perderam filhos adultos. Uma coincidência. No mesmo dia, uma mulher enervadíssima porque o filho namora uma divorciada mãe de uma criança: "O que  vai ser da minha vida?"

É uma pena não ter o FM 2017 instalado no computador da clínica. Dava jeito afinar o plano de treinos do Ward-Prowse enquanto ouço a descrição do trato  gastrointestinal do hipocondríaco da tarde.

quinta-feira, 5 de janeiro de 2017

Diário de um psicólogo ( 4)

Tenho uma terapia em que Cavour e Metternich estão sempre presentes. Aliás,  vendo bem, várias.  Sistemas de realismo prático, resistência inteligente à mudança,  nacionalismo na versão privada ( sangue e coesão). As famílias são pequenas nações com pequenas guerras , pequenas reconstruções. E com grandes  rancores.

Quando chegar a casa espero que me tenham deixado papas de abóbora. 

quarta-feira, 4 de janeiro de 2017

Diário de um psicólogo ( 3)

Sonhei que  a minha mulher me oferecia um pijama. O problema é que não uso desde garoto. Fui procurar no meu amigo Achmet. Não há lá nada sobre pijamas, mas  o 118 diz que se alguém sonha que dorme nu conseguirá terminar o seu projecto. Bom ou mau, diz o engraçadinho do Achmet.

Fiz salmão com ervilhas para o almoço. Por causa das senhoras da casa. É  fácil agradar se o agrado for fácil. 

Hoje  tenho de estar em forma. Duas pessoas que me dão um sono mortal . Uma vez a minha sogra relatou-me o conteúdo de todos os caixotes de louças que trouxe de África. Numa  sala semi-escurecida e com a braseira ligada. As sessões  só duram 60 minutos.


terça-feira, 3 de janeiro de 2017

Diário de um psicólogo ( 2)

A manhã de volta de bula-bula. Twitter, blogues, acompanhamento de terapias   por email. Acabei a biografia do Bismarck do A.J.P. Taylor: não me interesso por nada que não me pertença. Soa bem mas não entendo. 
A tarde começou  mal. Doentes da consulta geral a atrasarem-se, as marcações encavalitadas. A coisa endireitou-se depois da banana e do café .  Uma possível ( ainda não está estabilizada) terapia especial. Às vezes parece uma concorrente de reality shows :  casaco de lantejoulas e botas brancas, boquinha lamentosa/ ninguém a compreende , logo a ela, tão verdadeira e boa pessoa. Volto a olhar e aparece-me uma mulher  ( anda pelos  vinte  e muitos) mui interessante, olhar directo e malandro, discurso tenaz. O problema deve ser meu, mas não me pagam para ter problemas.

Diário de um psicólogo ( 1)

Estou com uma dor de dentes  mais inútil do que o Marques Mendes. É o terceiro molar esquerdo. Deixa-o estar. Hoje tenho gente simpática e fácil nas terapias.  Progridem bem e aturam-me a ironia quando me distraio. Distraio-me muitas vezes. Ao fim de uma mão de sessões deixo de tomar notas e guardo tudo na cabeça. Não sei como, mas quando a pessoa entra vem tudo ao de cima. Depois esqueço,  depois  volto a lembrar.
Na consulta  geral vai ser pior. Vem uma mulher que me recorda  a Bertha Cool. Diz que trava uma luta contra um indíviduo que lhe  roubou um terreno  há 40 anos. Dois brufens para  o caminho.

intervalo ainda

Estou de volta desta geringonça.