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quinta-feira, 29 de outubro de 2015

Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come


Os pais falam num mundo diferente, mais perigoso, em miúdos que ainda não sabem tomar  conta deles próprios, no álcool, nas drogas, no sexo, na dissolução dos valores. Vai daí,  a protecção, as restrições, as zangas.
Os pais repetem o discurso que os seus pais lhes repetiram.  O que  todos os pais querem é ver o telejornal ou a novela, tomar um xanax e ir dormir descansados.

segunda-feira, 26 de outubro de 2015

Obsessionem

 Foi reitor da universidade de Upsalla e professor de medicina: teimava que a Suécia era a Atlântida e que o sueco era  a língua de Adão. Mais do que o  delírio histórico-linguístico, importa assinalar a universalidade da ideia obsessiva. Ela é uma espécie de vespa asiática. Ou de muro.
O exemplo de Rudbeck mostra  duas coisas:
a) A obsessão alimenta-se dela própria: quanto mais tempo dura, mais cresce.
b) É independente do teste da realidade.

Tenho em mãos ( salvo seja)  três mulheres obcecadas com  três   homens. Duas delas, aparentemente, tentam deixar de gostar deles. A obsessão assume por vezes esta forma. Nos assuntos românticos pode parecer estranho, mas nos rituais compulsivos já  encaixa: por exemplo, a pessoa que tem de fazer quatro cargas de máquina senão acontece alguma coisa  ao filho. A ideia de que temos de deixar alguém mas que não o  conseguiremos é um ritual compulsivo. Estendido.

Se temos  um muro à frente,  não adianta bater com a cabeça nele. Interessa procurar o tijolo solto. Nas obsessões, o ponto fraco tem de ser procurado com paciência  e detalhe.  O amor-próprio ( também conhecido pelo termo garagista de auto-estima) costuma ser uma boa lanterna se a pessoa conseguir perceber, ao contrário do nosso sueco, que a obsessão só gosta dela  própria.

quinta-feira, 22 de outubro de 2015

"Perdi anos de vida"


É uma frase que ouço tantas vezes como o hino do SLB. E ouço-a sobretudo  a mulheres, quase exclusivamente a mulheres ( também é verdade que quase só tenho mulheres em terapia). A frase refere-se , na maior parte das vezes, a relações amorosas ( namoros, casamentos, uniões etc), às vezes à adolescência , poucas a situações profissionais. Vale, no entanto, para tudo.

1) Nunca perdemos  anos de vida. O passado é a única coisa que nos pertence. Nenhum governo, religião, pessoa, nos pode tirar o dia de ontem. Por mau que seja, é nosso.

2) A sensação de que desperdiçamos vida remete para uma ideia dela. De que ela deve ser bela, amarela, azul, gorda, magra, espessa, fina. Esta ideia é feita depois de termos vivido os tais anos que julgamos perdidos. Não é assim. 

3) Isto inclui a história de um apaixonado  casal de meia idade. Tiveram filhos, reformaram-se ( remete para um tempo em que as pessoas se reformavam cedito...) e viviam, quando a conheci, uma segunda lua de mel, resolvida que foi uma pequenita questão sexual. A página tantas, ela tem um cancro e morre. Ele ficou aparvalhado, sozinho, , sem rumo. A pergunta: perdeu anos de vida?

domingo, 18 de outubro de 2015

Paralisia ducal


Se a coragem idiota ou a obstinação irracional podem trazer-nos sarilhos, o excesso de cautela também. Quantas pessoas não tive  no gabinete que se recusaram a arricar um milímetro...
O excesso  de cautela, para o que nos interessa  aqui, vem muitas vezes das personalidades  obsessivas, variação dubitativa. Ponderam, analisam, voltam  a ponderar e ficam imobilizadas. O problema é que os problemas não esperam por elas. Arranja-se assim um desencontro entre a história do mundo e elas.
O Duque de Medina-Sidónia ( o VII)  ficou na História  como alguém dado à paralisia. Protagonizou episódios caricatos na batalha naval com os ingleses ( um recuo e uma viagem  de regresso à volta da Grã-Bretanha) e um outro em Cádiz. O Conde de Essex chegou, conquistou  a cidade, bateu nos gaditanos e  foi-se embora. Medina-Sidónia congelou e só depois apareceu. Cervantes dedicou-lhe  um trecho admirável de ironia:

Ido ya el Conde, sin ningún recelo,
Triunfando entró el Duque  de Medina.

quarta-feira, 14 de outubro de 2015

Gender soup

Uma pequena trouvaille para desanuviar.
Hoje sou eu a fazer sopa. Anuncio que quero começar a fazer sopas não passadas. Comentário da maioria feminina  ( o meu aliado foi para fora): Não queremos sopas de cavadores, não andamos à jorna.

 

terça-feira, 13 de outubro de 2015

Cabeça fria


Já não me podem ouvir, no consultório, com isto da cabeça fria. E com razão.
Estou a chegar aos 50.  Levo metade da minha vida nesta faina (  muitas centenas de histórias de vidas acompanhei), enterrei um filho,  tive um cancro, publiquei quatro livros, ou seja, tenho obrigação de saber alguma coisa. Se tivesse de resumir o que sei ( não é muito  difícil)  sobre situações delicadas já  sabem o que diria.
Cabeça fria  não é indiferença ao perigo, grace under pressure,  aplomb, panache, valentia. Cabeça fria amarfanha  a condição estóica (1)  e o instinto de sobrevivência (2):

1) Significa aceitar o que nos acontece sem raiva ao mundo nem  auto-comiseração, mas também sem desistir. Cada dia é um ciclo inteiramente  novo ( daí a deriva popularucha do um dia de cada vez, que se conduzir ao cadafalso não adianta muito), o passado é nosso, o presente está  a ser feito, o futuro estou-me nas tintas.

2) Queres ou não viver?  Se queres, tens de viver bem. E viver bem monta um cavalo decidido, que sabe para onde vai. E um cavalo precisa de um cavaleiro que lhe diga para onde ir, que saiba para onde ir. A hesitação,  a tremura ou  a intrepidez estouvada fazem-te cair  da sela em segundos.


sábado, 10 de outubro de 2015

Dia mundial?


Da saúde mental? Bem, se for pela dignidade no tratamento, está bem; caso contrário é uma infantilidade. Seja como for, umas notas simples sobre as várias opções climatéricas da saúde mental:

1) Autonomia
É a principal. O João dos Santos dizia que os sujeitos autónomos são como aqueles aviões que costumam fazer  um trajecto  longo com uma pausa a meio, mas que  se um dia for necessário fazem-no de uma enfiada.
Se somos  escravos das neuras de  infância ( ciúmes, despeito), das tragédias que vivemos ou da aprovação de terceiros, então mais vale embalar a trouxa e zarpar. Ser autónomo ( viver  pela nossa lei)  significa conhecer  tão bem as nossas necessidades de forma  a que elas se esqueçam de nós.

2) Anqueos
Nome antigo para laços. Criar laços, estabelecer laços, cortar uns, desatar outros, fazer novos. Liberdade total, não há sagrado.  Uma relação de trinta anos pode acabar, um filho pode cortar  com o pai. O que nos distinguirá do doente mental, sobretudo do undercover, é essa abertura ao exterior. Como dizia um velho  e chanfrado psicanalista, Paul Racamier, na relação  esquizofrenica mãe -filho , um mais um é igual a infinito.


terça-feira, 6 de outubro de 2015

Comunicar, tocar

Quando se treina cães durante muitos anos  aprende-se imenso.  Esta  tese não faz grande  sucesso no meu gabinete, vero, mas insisto: é que os cães não comunicam com palavras.
Uma vez, ainda dava aulas, fiz um exercício prático numa  turma de futuros psicólogos. Tinha havido um acidente de avião brutal e uma senhora de idade perdera , salvo erro, a filha, o genro e dois netos. Agarrei numa jovem que fez o papel da senhora  sentada no aeroporto Charles de Gaulle, desesperada depois de saber a notícia. Convidei cada uma das alunas a actuar como psicólogas. Uma a uma sentaram-se ao pé da senhora e descarregaram a cartilha burocrática : Coragem, compreendo a sua dor etc. No final do exercício, fiz-lhes notar que não houve uma alma capaz de ter dado um abraço à mulher, ou , por exemplo, de lhe agarrar as mãos.
O toque, a atenção à linguagem corporal, a gestão do contacto visual são categorias-chave no treino canino. Nas discussões conjugais,  ou nas entre pais e filhos,  estas categorias podem desbloquear uma comunicação branca, repetitiva ou até patológica ( acusações antigas, insultos etc). Se os cães podem, nós também...

sexta-feira, 2 de outubro de 2015

Bem visto

A conta mistura banalidades  parvas com banalidades muito boas. Como esta:

"If you stay, stay forever. If you go, do it today. If you change, change for the better. If you talk, make sure you mean what you say".

É para ser lido com um grão de sal. O ficar para sempre significa apenas ficar, ou seja, não andar a entrar e sair. E é verdade.  São sobretudo eles, na minha experiência, que gostam da porta  giratória e isso está ligado ao sentimento de posse.
O falar claro tem muito que se lhe diga. É bom, mas não é tudo. Este ano já tive três mulheres no gabinete cujos ex acabaram com curtas sms...