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quinta-feira, 29 de maio de 2014

"Fiz-lhe este cinzeiro, senhor director"


Petrarca consola o viúvo: espera-te  a liberdade, já não tens adversário.
As relações longas e boas são uma espécie  de prisão agradável .Resta saber se, como na prisão dos irmãos Dalton eternamente capturados por Lucky Luke,  o simpático velhinho quer ir lá para fora.

terça-feira, 27 de maio de 2014

Senta-aqui-enrosca-ali


É uma emoção muito animal e muito humana. Quando observamos  ao vivo os bichos, ou lemos/vemos sobre os  costumes dos  que não podemos observar, notamos que o contacto físico  joga um papel  crucial. Às vezes há mal-entendidos. As pessoas julgam que o cão dá pata a pedir festinhas. Não:  o cão põe-nos a pata em cima, é um acto de dominação. O amável  sexo entre os pais ( ou terceiros) presenciado por uma criança pode parecer violento ( às vezes até é...).
Um tipo que gosta de uma rapariga e a namora, põe um bracinho por cima, dá-lhe mão, toca-lhe na face etc. Um tipo que quer violar uma mulher segue-a à saída do bar , agarra-lhe nos braços, empurra-a e puxa-lhe os cabelos ( encontram aqui velhos conhecidos como o Dunbar). O toque  humano ( com ou sem oxitocina) destina-se  a tranquilizar. Já sei o que estão a pensar: Então e o pedófilo velhaco que acaricia as crianças? Por estranho que pareça, a intenção é a mesma.
Mesmo em casas despassaradas,  com horários desencontrados e muita pressa, tem de haver tempo para um senta-aqui-enrosca-ali. Como dizia o Bioy  Casares, a intimidade é comentar o mundo. Por exemplo, um pedaço de telejornal tardio com as pernas dela em cima das nossas ou, no caso dos petizes, adormecer ao lado  deles a ouvir fofocas da escola.

sábado, 24 de maio de 2014

Neuras

"You're so neurotic!" It's a phrase that's tossed about casually, but what exactly is neuroticism? It is a personality trait defined by the experience of chronic negative affect -- including sadness, anxiety, irritability, and self-consciousness -- that is easily triggered and difficult to control. Neurotic people tend to avoid acting when confronted with major and minor life stressors, leading to negative life consequences.

Ora bem. Há a velha história da adaptabilidade dos traços de personalidade. Nos anos  80 e 90 era comum os psis dizerem que a agressividade competitiva, outrora mal vista, resultava da selecção de características apropriadas aos tempos. Nunca comprei muito  isso, porque falta sempre volume para tais conclusões.
Os neuróticos, aceitando que o artigo fala disto pela rama, não são mais do que o inverso do realistas depressivos ( já aqui tratei disto várias vezes). Enquanto estes, por feitio e/ou experiência, esperam pouco da vida e por isso a apreciam e suportam os golpes, os neuróticos  são pessoas  sonhadoras, fantasistas e, eventualmente, mal-amadas. Se fossem bichos seriam rinocerontes.

quarta-feira, 21 de maio de 2014

Precisamos de novos passados


Uma coisa que não podemos fazer na velhice é reescrever a nossa história, isso fica para exercícios destes ( quem sofre de  imaginação errática tem estes escapismos). Como ficamos?
Quem vive no eixo estóico, com mais ou menos dificuldade, tenta sacar o máximo de cada dia. Não, não se trata de aproveitar o dia: carpe diem, em Horácio,  é despede-te do dia. O negócio, como dizem os brasileiros, também não é viver cada dia como se fosse o último ( isso fica para Hollywood e James Dean).
O que se passa é que cada dia é único, total, completo:
 Levantas-te de manhã, bebes café, reservas as férias de Agosto, fazes as contas ao IMI a pagar no fim do mês, enfias-te no carro em direcção a Lisboa, passas a portagem e um velho de 85 anos, em contramão, esmaga-te de tal forma que os bombeiros precisam de duas horas para te desencarcerar.
Tu e o velho , o futuro e o passado, realizam o resto da  promessa de Horácio " e não esperes nada do dia de amanhã".

domingo, 18 de maio de 2014

Bipolar quizz



Este não está mal feito.
A confusão da bipolaridade com traços  ciclotímicos ( este  resumo simples pode ser entendido por qualquer  pessoa) é cada vez mais frequente. Os bichos da foto são as leoas de Tsavo, embalsamadas e expostas num museu americano. Comeram um número indeterminado de coolies ( trabalhadores indianos), talvez 150,   do Lunatic Express, a linha de caminho de ferro que uniu Mombaça a Kisumu, nas margens do Lago Vitória. Tudo very imperial.
Os leões chegam a passar vinte horas por dia a dormir. Não são bipolares porque estão muito bem adaptados ao meio. São ciclotímicos de sucesso.

quarta-feira, 14 de maio de 2014

Desapontei-te, não foi?

Pergunta o Cole. Talvez o João faça essa pergunta ao tempo, que ele apoda de cruel. Prefiro a Yourcenar: o tempo, esse grande escultor.
Talha os traços na nossa cara e  os crentes correm para as clínicas de estética; como se apagar o traço matasse o escultor.
Define os traços da nossa alma. Já não há  sonhos, nem desculpas, e o passado, a única coisa que é nossa ( Séneca) , torna-se um inquilino amável.

terça-feira, 13 de maio de 2014

O elo mais fraco


Nos divórcios, a mulher ( só acompanhei um divórcio gay), quando há crianças, é o ponto de equilíbrio. Em regra. Tenho intervindo em mais divórcios ( com crianças, os outros são simples) do que gostaria, é um kloof cheio de leopardos e mambas negras, e aprendi que se quero ajudar os miúdos devo insistir na mãe.
Ainda há pouco tempo, as criancinhas eram despachadas para a mãe com visitas quinzenais ao pai. A mãe  ficava toda contente  por ter o mesmo trabalho com metade da ajuda. Sim, às vezes nem notavam,  mas isso não as aliviava. Apesar da guarda partilhada, eles continuam  a ter o lombo e elas o osso. É por isso que elas devem ser especialmente apoiadas. Se falham, falha tudo.
É uma injustiça, eu sei, mas, na guerra, se é o combate sangrento/ a decidir, nunca a discórdia/  se ausentará das cidades dos homens. Disse bem Eurípedes ( As Troianas) e acrescento: num divórcio comum, todas as  crianças são Astíanax.

sexta-feira, 9 de maio de 2014

A discussão sobre o amor


Aqui, no post com  a frase de Schopenhauer, foi muito boa. Sobretudo porque, no início, não era sobre o amor: era sobre o casamento.
As tretas do contrato, do droit  du seigneur, da prostituição conjugal  ( tenho cá um livro com esse título, é de chupeta) e afins, dizem-me pouco. O recuo da religião, que apoiava o lado  patrimonial  do laço ( Engels), acabou com o folclore. A emancipação feminina, a luta LGBT  e o resto da  mobilização infinita ( Sloterdijk) em breve permitirão contratos a três ou mais. 
 Passo a vida enfiado na vida das pessoas, já aprendi que os antropóides humanos  só a custo subjugam os instintos. Conto aqui a história da mulher casada  que  tinha um affair há anos e mesmo assim andava  toda contente a fazer a casa nova para ir morar com os filhos e com o ...marido. A nossa condição de perseguidores da felicidade obriga-nos a forrajear sem descanso.
Para mim, o casamento é simples. Para os outros é o que quiserem.


terça-feira, 6 de maio de 2014

Vida real


"This  is not therapy, this is real life". A frase é dita por Seymour Hoffman à irmã. Ele não está para responder a perguntas sobre a sua vida  amorosa. O filme é sobre dois  irmãos e um pai viúvo enfiado num lar.

Viajemos no tempo:

 “It is a lowness of spirits from a single phantasy, without fever; and it appears to me that melancholy is the commencement and a part of mania.

A terapia não é a vida real, mas a vida real  é uma fantasia.

Dobros


O dobro do desejo é o amor e o amor a dobrar é  a loucura. Andei entretido com leituras de Pródico de Ceos e este aforismo apareceu-me à esquina.
Se decompusermos  a fórmula temos problemas: o quádrupulo do desejo é a loucura. Bismarck injectava-se com morfina antes dos plenários no Reichstag? Sim, mas  o que dizer sobre o desejo de uma morte digna? Como classificá-lo de loucura?

sábado, 3 de maio de 2014

Lobo Xavier antidepressivo


Nunca mais soube nada do homem que ia mudar de vida e abrir um restaurante. Ou correu muito bem ou correu muito mal. Ou assim-assim. Continuo na minha: cozinhar por obrigação é como ter sexo  por obrigação. Na série de artigos que fiz sobre  comida na Ler não cheguei a sublinhar com um remate de longe: o lado antidepressivo da coisa.
Abrir o frigorífico ou a gaveta do pão e engolir uma sandwich ou um resto de massa com cogumelos é alimentação. Antidepressivo é isto:
Escolher o bacalhau, demolhá-lo como quem muda  um bebé,  afogá-lo de véspera em azeite com alho, poejo, tomilho e deixá-lo de noite, aconchegado. No dia seguinte,  amorná-lo duas horas a 70º. Lascá-lo com jeito de ourives e servi-lo mimado com rolos de espinafres colhidos no dia.
Ou seja, nunca podes estar deprimido se trabalhas para o prazer, para  o dia e para  a memória. Já agora, parabéns, António ( o melhor presunto que provei  veio da quinta dele).

quinta-feira, 1 de maio de 2014

No amor e na guerra...

Este capítulo faz parte do livro publicado em 2006:
"Understanding how sexual aversions develop in addition to how sexual attraction operates will provide a more comprehensive picture of mate selection in humans". 
 (...) On this basis, the authors concluded that romantic love is a pan-human characteristic. There is considerable evidence that they are right". 

A aversão sexual e o ódio serão, portanto, também  pan-humanos. O que interessa é saber como a cultura está aperfeiçoar o equilíbrio.