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segunda-feira, 1 de julho de 2013

Fazer-se à vida



De repente, um adulto fica a braços  com  a morte dos pais no espaço de um ano. E uma morte lenta, cativa de  recapitulações, planos, cacos soltos de esperança escorrida  como vinho na taberna. Enfim, o processo habitual de volta à arena numa praça deserta.
Contam-me um misto de recomeço com meta cortada. É  suposto continuar, tudo faz parte da lei natural, mas há qualquer coisa que não bate certo. Temos  sempre tantos planos para os nosso pais, não é? Que envelheçam bem, que sejam os melhores da hidroginástica, que não usem andarilho etc.
Ficamos mais  duros, alguns mais confiantes, outros afundam-se no relambório do que não chegou  a ser dito ( a máxima expressão da menoridade). O que é certo é que esquecemos  a forma. É que a lei natural ( eles têm de morrer) não manda que assistamos à agonia sucessiva.
Faz alguma  diferença? Faz: a dor devia ser  limpa  e espaçada. É  assim que os leões matam.

10 comentários:

  1. "a dor devia ser limpa e espaçada"


    Não sei se era este o ponto, mas há lutos que não se fazem, vão sendo feitos, é uma ordem natural, limpa.

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    1. pois vão sendo feitos, mas os geracionais (pais efilhos ) são um nadinha diferentes.

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    2. Era esse o meu ponto, e a minha experiência. O meu pai morreu há 20 anos.

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    3. O Filipe já passou pelo pior, perder um filho, o que eu não consigo nem imaginar.

      Voltando a mim, com um pai morto há 20 anos, isto é limpo e espaçado. Na altura, muito revoltada com ele, fiz o que tinha a fazer, sair de casa. Não era o tipo de pai a quem se pudesse dizer a meia dúzia de coisas absolutamente necessárias. Instintivamente, fiz o que lhe doeu mais (e só percebi isso depois, veja lá). Com o tempo, aprendi a perdoá-lo. Ainda hoje tento perdoar-lhe a morte, é esta a medida do luto e, em simultâneo, do meu crescimento. Se conseguir separá-lo dos meus afectos (doridos), percebo muito bem o tipo inteligente que ele era. Além de muito bonito e fora do seu tempo. É isto que é bom num luto, porque nem tudo é mau, perceber aquela pessoa. E eu tive azar no tempo, como ele teve antes de mim.

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  2. O que matar entao?
    O que fazer para higienizar essa dor?

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    1. isso fica para um texto que está prometido, é uma belíssima pergunta.

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  3. Como será a dor limpa?
    Uma dor com todos os ajustes de contas feitas e todas as palavras ditas? Quando eles partem já muito velhinhos?
    ~CC~

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  4. Não existe dor limpa. Se é limpa, não é realmente dor, é outra coisa.

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  5. será um desejo, por ex., de repente e no meio dos girassóis.

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