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terça-feira, 10 de setembro de 2013

Cozinha, depressão & liberdade

 ( dedicado ao Vasco Lobo Xavier)

Acompanhei-o durante algumas sessões. Quarentão, trabalhava numa empresa, estava farto, daí  a ansiedade e algumas notas depressivas. Também gostava ( gosta ainda?) de cozinhar, de maneira que reservávamos sempre alguns minutos finais para trocar ideias. Ainda que  um bocado impressionado com a aportuguesação das técnicas do Can Fabes e similares,  a sua referência era ( é?) a nossa cozinha tradicional,  Meteu na cabeça mudar de vida e , em plena crise, abrir um restaurante. Isto mexeu comigo.
Ele pensou ( nunca  disse abertamente) que eu o dissuadia por inveja, que também eu gostaria de fazer o mesmo.Não gostaria, porque quero muito à  boa mesa, à cozinha, à  procura do nabo perfeito, da ervilha com sabor autêntico, da garoupa com sabor  a garoupa, de umas costeletas que um velho talhante me envia de uma  aldeola ao pé de Vinhais. Sobretudo gosto  da liberdade. Se me apetecer complicar e fazer uma galantine de percebes em toupée de polenta, faço.
Isto remete-nos , como dizem os tipos das mesas redondas, para a questão da realização pessoal, essa espécie de mamba negra disfarçada de Cinderela.  Não há uma realização pessoal, muito menos via profissionalizante. O humano realiza-se, já que temos  de usar a palavra, em muitas coisas e em muitas medidas diferentes. Essa invenção da cultura da especialização é uma cena que não me assiste.
A certa altura,  indaguei dos  pratos principais e assim. Fala-me em bacalhau na brasa, afinal,  na chapa ( a fraude restaurativa começa no ovo) . Perguntei-lhe então se se via  a chapear  800 postas de bacalhau  por ano.

10 comentários:

  1. Querido (permita-me) Filipe,
    leia o Paulo Varela Gome de alma e coração :)

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  2. Qualquer coisa feita 800 vezes ao ano deve ser assustadora, não apenas as postas de bacalhau...a mesma aula 800 vezes ou esse número de consultas a 800 pessoas diferentes...tudo é de uma relatividade imensa. Parece-me que se a opção dele o libertou, então foi certa.
    ~CC~

    PS . Também gostei muito do livro do Paulo Varela Gomes.

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    1. Errado. A questão não é fazer 800 coisas iguais /ano. Isso é evidente que existe em muitas profissões.
      O osso é pensar que o que se faz por gosto e em liberdade é igual ao que se faz para ganhar a vida.
      Parece meridianamente claro.

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  3. É talvez uma divisão muito radical a sua entre a obrigação profissional e o prazer/liberdade. O que se faz para ganhar a vida pode proporcionar-nos muito prazer, espero que seja o seu caso. De resto às vezes não nos apetece nada trabalhar mas também não nos apetece às vezes o lazer, há dias em que um maravilhoso dia de praia que é uma coisa que adoro não me apetece. Se calhar um salva vidas que é obrigado a ver o mar todos os dias pode não apreciá-lo como no primeiro mas pode continuar a adorar aquilo apesar de ter que lá estar todos os dias (conheço um exemplo desses).
    ~CC~

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    1. Sim, também é verdade, mas o problema com ele é que pensa que vai ser mar e miúdas apenas.

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  4. Pode-se chapear bacalhau 800 vezes ao ano, com prazer, se pelo menos duas, três vezes ao dia nos vierem cumprimentar à cozinha. Não esquecer: quanto mais bem regado o bacalhau, mais efusivos podem ser os cumprimentos. O segredo está no sal. Um cozinheiro, mesmo de chapa, ainda para mais nesta terra, tem sobre todos os outros operários essa vantagem. Ao pobre do Chaplin ninguém ia dar os parabéns por ter porcas tão bem apertadas e a um pobre amanuense ninguém aperta a mão por bater bem o carimbo.

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  5. "Pode-se chapear bacalhau 800 vezes ao ano, com prazer, se pelo menos duas, três vezes ao dia nos vierem cumprimentar à cozinha."

    Muito bem, que ninguém anda por aí só a "correr por gosto", sem paisagem, sem gente em volta, sem nada.

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  6. Aposto que no bacalhau 799 vira vegetariano ;)
    a brazuca

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