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sexta-feira, 15 de novembro de 2013

Fé, religião e terapia


O António Damásio disse uma vez que o velho princípio whatever works, baby é um bom princípio quando se ajudam pessoas. A fé, a crença religiosa, pode ser um factor? Claro. Se não quiserem comprar o artigo  têm  aqui uma digestão  no  NYT. 
Ter fé num tratamento ( químico ou de psicoterapia, como é referido nos artigos) é bom, sim, mas não me parece o principal. Ao fim de todos estes  anos e vendo muita gente que por regra nunca entraria no gabinete de um psicoterapeuta ( lavradores, gaspiadeiras, pastores, muitos velhos),  a dimensão religiosa mais importante parece-me outra.
O desespero, um dos alvos desse enorme terapeuta ( até no sentido literal) que foi Cristo : Somos perseguidos, mas não abandonados; abatidos, mas não destruídos ( 2 Corintos4:8-9).
No Educação para a  Morte conto a história ( pp45)  de uma senhora de quase oitenta anos que perdeu a filha única, quarentona e solteira.  Era uma  mulher religiosa, falámos muito  sobre a esperança e fé durante a quimioterapia da filha.  Na primera sessão depois da morte, perguntei-lhe em que pé ficaram as coisas com Deus. Respondeu-me: No mesmo de sempre. Sempre acreditei e durante estes meses terríveis nunca me deixou sozinha.
O pedantismo e os complexos mal resolvidos podem miar,  mas  é  aqui que, da minha experiência ( este assunto tem de ser abordado assim), as pessoas com fé vão buscar um um ramo de cheiros ao deserto.

11 comentários:

  1. As pessoas com Fé têm muitos defeitos. Provavelmente, todos. Mas a Fé não é um luxo: está ao serviço do Sentido Último de tudo e esse Sentido nunca nos abandona porque está dentro de nós e à nossa frente, em forma de farol e recompensa. É bom ter Fé. E digo isto eu, que sou um blogger cruel com a Esquerda, sobretudo uma hoje e de sempre Avidez Socratesiana + BE travestida de Esquerda.

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  2. Não tenho muito a acrescentar a um comentário que lhe deixei num destes dias. Na morte da minha filha a fé desempenhou um papel fundamental. Fé em quê? Num 'Deus que não é senão Amor'; na existência do Céu, na existência dos anjos, na imperiosa necessidade de dar um sentido à vida (Viktor Frankl foi uma leitura importante), na vida eterna, nas pessoas que cumprem uma missão que só mais tarde perceberemos, na obrigação de perguntarmos 'para quê?' em vez de 'porquê?', no serendipismo (serendipidade?), na frase que lemos num evangelho ou ouvimos numa homilia e que respondem a uma pergunta ou lançam um desafio.
    A fé não é isto, ou será muito mais do que isto. A fé também é acreditar em milagres e o milagre pode ser uma vida longa que se redime quando uma outra vida pequena desaparece. A fé é também ter a certeza de que Deus não é o causador da dor mas nos ajuda em ultrapassá-la. Como? Nem sempre sei. Mas não desistindo de procurar a Luz, mesmo quando as trevas parecem rodear-nos.
    Alonguei-me, peço desculpa. Mas ele há temas, sabe...

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  3. Quando já não tenho nada a perder, quando todos me abandonam só me resta a Fé. Quando tudo está bem esqueço-me de ter Fé: tenho é orgulho em mim próprio e por ventura sinto que mereço e eventualmente dou graças, se me lembrar… Quando caio encosto Deus à parede: “fizeste-me cair, agora atura-me”… Vivo a Fé de um modo comezinho e mesquinho, misturo-a com as questões e questiúnculas que tenho comigo mesmo. Isto não deve ser verdadeira Fé, mas também não sei o que será…

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  4. O António Damásio chegou à mesma conclusão a que eu e os meus 3 irmãos chegámos, por exemplo, quando o nosso pai morreu. A mãe parecia que o seguiria mais dia, menos dia. Houve um esforço conjunto, não planeado, para a fazer regressar aos carris: a igreja, o seu grupo, as peregrinações, o que por lá fazem. Resultou. Em menos de um ano, estava nos carris, de novo, recuperara a força habitual. Dos quatro, somente 1 de nós é crente e, como ela, católico praticante.

    O importante é reconduzir cada um ao seu lugar de pertença e nós os quatro conseguimos mas diga-me, Filipe, quantas vezes se consegue um colectivo, essa fé? Repare que pergunto, e já levei com a Fé pelas ventas mais do que muitas vezes, nomeadamente no deserto.

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  5. Não ter fé, como acontece comigo, é o demónio, sobretudo neste processo de envelhecimento que começo a atravessar quando me aproximo dos 40 anos. Envelhecer está a revelar-se sinónimo de perder a confiança no humano: as pessoas são demasiado frágeis, demasiado fracas, demasiado pó, tantas vezes demasiado exterco. Então a um ateu, que para gabar-se de absolutos apenas pode recorrer ao Humanismo, o que resta quando é o humano que cai, quando é a moeda humana que se desvaloriza? Se eu e o meu vizinho não passamos de pequenos impulsos, se eu e o meu vizinho não temos nenhuma forma de alma, nem sequer perecível, qual é o valor de uma respiração? Porque ter os homens como deuses tem este defeito: vemo-los, tocamos-lhes, não há o benefício da dúvida, não há mistério, o sagrado asfixia. Então nestes tempos em que as dimensões da privacidade, de alguma solenidade nas relações entre as pessoas, em que o dever e a sua tensão perdem significado, quando eu sou apenas humano e tu és apenas humano e ambos falhamos, porque não apenas sermos descartados? O humanismo funciona enquanto o humano tem, na nossa visão, um desempenho pelo menos mediano, mas é uma aposta demasiado arriscada se somos desafiados pela depressão. Olho-me ao espelho e vejo-me nada e é essa a bitola com que meço os outros: eu não sou nada e tu, meu vizinho, não és nada. O que resta senão o caminho do chão se é para ele que me sinto mais atraído? Com fé não me posso reduzir a nada nem posso reduzir o outro a nada porque carregamos dentro de nós um núcleo intangível e inexpugnável: a alma divina. E a essa alma divina não há ácido de sarcasmo, ironia, chiste, pensamento intrusivo que toque, porque ela é do tamanho do desconhecido. Poderei odiar-me tanto se acreditar que carrego dentro de mim um pedaço do absoluto? Poderei lamentar tanto o meu destino? Poderei considerar tão árido o meu sofrimento e o sofrimento dos outros?

    Que pena que a fé seja um dom... Que injustiça...

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    1. Olhe eu não o conheço e não quero que pense assim. Isto é humanismo não é fé. As pessoas não são más, nem egoistas apenas são não entendidas. Se se olha ao espelho e ve-se nada é porque alguém destruiu a sua auto- estoma, não permita. Escreve, transmite pela escrita o que pretende, pense: não precisa de um deus para ser único.

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  6. Grandes comentários que os teus escritos atraem, Filipe.
    O sentido último que a relação com Deus nos concede, seria muito pouco sem o caminho do "perdão" do qual já nascemos carentes. Em relação aos "tratamentos" tem a vantagem de se tratar de algo orgânico, ecológico. Mas até quanto a esses métodos, quantas vezes "carniceiros", dou razão a António Damásio: whatever works, baby.
    (Afinal Rui Patrício esteve à altura. Pena aquelas cores horríveis.)
    Abraço!

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    1. Caro Filipe, caro João Távora, que eu tenha visto é a segunda vez nestes comentários que o João aborda a questão do perdão. Grande tema, esse, apesar de subestimado pelas modas psi. E embora tenha chegado tarde e a más horas a esta conversa, fica só aqui a nota de que espero um dia retomar essa questão a propósito doutro post que o Filipe coloque. Estou certa de que não faltarão oportunidades.
      Joana

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  7. Sou capaz de tentar pegar no assunto, Joana.
    Lê-mo-nos por aí!

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  8. e.m.

    "vão buscar um ramo de cheiros ao deserto"..., posso entendê-lo como...uma Entidade Divina, um som que recorda um mimo do avô já falecido e que contribui para a construção da minha identidade, um mergulho profundo no pensamento, sobre dádivas que recebemos nos mais variados contextos e momentos de interação...enfim, esta expressão faz-me todo o sentido, é só estarmos disponíveis para tal, assim como para a vida...

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