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segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

A ilusão é uma realidade



Ling está em Paris e escreve a A.D. sobre as paixões. O diálogo imaginado, se bem que ingénuo e próprio da inexperiência do autor ( 21 anos na altura), tem a sua melhor parte na reflexão sobre a paixão ocidental ( um pecadilho essencialista, mas aceitável), ou seja, muito Bovary. Ling  acha que os ocidentais dão uma importância excessiva àquilo que um consenso quase  geral chama realidade. 
A normalização psiquiátrica pode beber nessa lagoa, mas a economia mental sobremoderna ( passámos o  fim das grandes narrativas e  já estamos a escrever novas) repele a diferença na percepção com um novo argumento: a ilusão é uma realidade.
A patologização do estado depressivo, a que já aludi aqui, é um sinal desse novo argumento. Poderíamos, numa  trivela à Quaresma, recordar o louco Bion e alvitrar que a desmaternalização está na origem do processo. A tolerância à frustração desenvolve  a percepção temporal, porque é  a repetição  cadenciada  e segura da mãe que faz o bebé  capaz de adiar a frustração. Maternalidades caóticas e pouco competentes, desfamiliarizadas,  podem ser o psico-útero de gerações de frustrados . É um very long shot, até porque falta o resto.
O resto é uma aprendizagem da ilusão como realidade, profetizada pela rapaziada da École Normale em 68. Algumas pessoas más ( incluindo alguns antigos) dizem que sociedades materialmente satisfeitas derivam para  necessidades cada vez mais sensitivas, terreno fértil para a frustração. 
Talvez sim, talvez não. Outros dizem que as novas drogas apenas deram resposta a um eterno estado depressivo e isso justifica o sucesso  dos americanos com os  antidepressivos. Seja como for, fiquemos com Ling: Mesmo para nos perdermos, há que crer em nós próprios




5 comentários:

  1. "Mesmo para nos perdermos, há que crer em nós próprios"

    semântica cognitiva tramada

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  2. Lembrei-me da razão pela qual gostei de imediato do sobrenome Nashe. Há uns anos comprei no Ecomarché umas peras invulgares, que desconhecia (nashi). Nunca mais voltei a vê-las à venda, mas cá em casa adorámos o sabor, uma mistura surpreendente de pera e maçã.

    Podem continuar :)

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    1. vou estar atenta à secção da fruta para confirmar se a pêra-nashi, quase homónima, é merecedora de tais adjectivos ;)

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  3. Por que é que só há bovarismo feminino? Por que é que tudo o que é mau (depressões, frustrações) vem da "má" mãe e não também do "mau" pai? Se pai e mãe são apenas simples seres humanos imperfeitos? Quanto ao Maio de 68 deve ter tido o desmérito de ao serem tão feministas exigirem que as mulheres fossem irrepreensíveis e perfeitas para "dar o exemplo" desta vez à esquerda: ainda pior do que o sacro-santo discurso...

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    1. O bovarismo não é feminino. Leia Balzac.
      A ilusão é uma realidade: tomou este texto pelo blogue. Lá para baixo está um texto sobre um pai terrível.

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