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segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

Psicologia com os clássicos (I): Dejanira


O ciúme de Dejanira é sexual, mas os ciúmes mais tóxicos que conheço são de outra natureza. A matriz é sempre um pensamento maníaco e insolente produzido por um pensador desiludido e mal amado. Dejanira acaba por dar razão a esta observação que qualquer  interesssado na  natureza humana pode fazer. Utilizo uma  tradução ( excelente como sempre) de Maria José Fialho.
Para quem não conhece: Dejanira recolhe do peito de  Nesso, o Centauro,  o sangue provocado pela lança de Héracles. O Centauro tinha-a apalpado e o filho de Zeus não gostou. Dejanira aplica esse sangue numa túnica, porque o moribundo prometeu-lhe que  que ela ficaria da posse de um encantamento especial: Héracles nunca mais voltaria  a olhar para outra mulher.  Bem, o tempo passa, Héracles trai e vola a trair e Dejanira resolve usar o filtro mágico. A coisa corre mal e o marido agonia em vez se tornar fiel . Dejanira mata-se, Hilo atira o corpo do pai para a pira, apaziguando-lhe  o sofrimento.
O estásimo III revela Cípris, a deusa que motiva o apetite de Dejanira,  como uma deusa do engano e da destruição. Quem está familiarizado com  as tragédias gregas sabe que os deuses desempenham um papel de ignição das forças e fraquezas humanas. Dito por mim, portanto, por um pobre leigo:  a eles tudo é permitido, os humanos é que os interpretam mal. Dejanira  foi conquistada por Héracles com a ajuda dos deuses e ilude-se desde aí. A sua soberba será por eles castigada.
Na nossa actual vidinha contentinha, inchados de importância  técnica e desdenhando tudo o que não se possa ser impingido pela publicidade ou fabricado,  As Traquínias parece um texto  tolo e deslocado. Pensa outra vez, quando leres uma história banal de ciúme  e  morte.



5 comentários:

  1. Curiosa coincidência: depois de ter terminado ontem a leitura-de-embalar às minhas filhas de todo o Antigo Testamento [adaptado], levei mais de um mês a fazê-la!, iniciei ontem mesmo também a leitura de todo um acervo de mitos e lendas, incluindo os clássicos. Nunca subestimei ou subestimaria a quantidade informação e ensinamentos penetrantes condensados nessas narrativas e mitos antigos. Sou uma Esponja Mística e Intelectual, por isso para mim o sentido de tudo está em tudo e converge na Luz Revelada em Cristo.

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  2. Não me surpreende tanto o mito em si – forte sem dúvida e terrível, mas a questão que coloca sobre a nossa arrogância ao desvalorizar tudo o que vem dos clássicos (se bem percebi o que escreveu). Como negar os mitos, se eles são matriciais? O próprio Freud disse mais ou menos isto: “para onde quer que eu vá já lá esteve um poeta”. A narrativa e a prosa poética é a essência do humano. Como dizia o Bergman: ”Trava-se muito cedo conhecimento com o diabo e nasce na mente da criança a necessidade de o personificar. Foi nesta altura que apareceu a minha lanterna mágica.” Quem diz a Lanterna Mágica, diz as Artes todas.

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  3. Venha o II, Filipe (aproveito/e o comentário para o post anterior).

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  4. As tragédias, gregas, adivinham-se, os Deuses retiram o acaso da equação!! Miles de anos depois a tragédia, dita, redita e cultuada, corre-nos no sangue e, como tal, nada ao acaso!!
    Um bem haja,

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