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sexta-feira, 17 de maio de 2013

Apartheid mental: os deprimidos-saudáveis



A representação comum, estereotipada,  da alegria. Grupo, saúde física, natureza. Se colocasse aqui uma equivalente  da depressão escolheria a  imagem de uma pessoa com olheiras e enroscada na cama com as mãos na cabeça. Estas representações têm em comum o código corporal. a tradução corporal dos estados  mentais. O que acontece  quando essa tradução não existe?
Há pessoas deprimidas que nunca  disseram aos outros que se sentem deprimidas e bem: os outros não acreditariam. São pessoas que riem, trabalham, dormem bem, convivem, fazem desporto, não tomam antidepressivos. Então e podem estar deprimidas? Podem. E muito.
O que a vulgata não conta é que o tom depressivo pode conviver com um estilo de vida dito  normal e até  muito agradável. Isto acontece porque  alguns  de nós  orientam o pathos depressivo para fora da corrente quotidiana, mas há mais. A tradução comportamental resulta da falta de controlo. Por exemplo, quando estamos encolerizados e nos portamos como tal. Os deprimidos-saudáveis exercem uma  vigilância apertada sobre o afecto depressivo. O medo, a angústia, o deslace  da vida , são mantidos  em regime de apartheid do quotidiano normal. Dir-se-ia que um contrato social se estabelece: podes ser deprimido se não  pareceres um.
Muitas e variadas razões  podem ser responsáveis. Há pessoas que deprimiram em função de acontecimentos, outras arrastam  fastios de infância mal resolvidas, algumas exprimem heranças. Seja como for, todas resolveram casar com a depressão sem se deixar dominar por ela. Por vezes, estes deprimidos-saudáveis retiram algum prazer em dominar a melancolia e  o pessimismo . Outros conseguem arranjar nichos ecológicos para  a depressão brincar à vontade. Falaremos disto mais tarde: o realismo depressivo?

5 comentários:

  1. excelente regresso.

    se o país está cada vez mais deprimido, é difícil não se ser apanhado pela "doença", cada vez mais colectiva.

    todos conhecemos não um, nem dois, mais uma dúzia de casos de pessoas que vivem mal, que passam necessidades, a todos os níveis.

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  2. Em 1990 reparei que, pelo Natal, a melancolia tomava conta de mim. Depois, em 2000, reparei que tinha períodos de apatia e tristeza sem motivo.

    Instintivamente, comecei a fazer caminhadas regulares, três horas, vinte quilómetros, obtendo aí um alívio e uma euforia incrível, de bebedeira, mesmo.

    Há um ano dei mais um passo em frente no sentido inverso do abismo, da melancolia: comecei a correr. Caminhar horas seguidas não chega.

    Desde 1 de Janeiro, jejuo e corro, Filipe. Almoço, janto. Só. Por vezes quebro a disciplina simplesmente por ter consciência de que, embora o organismo se habitue, a corrosão gástrica pode gerar um problema.

    Que gajo sou eu? Que rótulo no divã teria eu?

    A única vez que estive nessa posição tinha 14 anos, consulta única, 10 contos, um tal de Geada, Avenida da República, Gaia.

    Ouviu-me a contar a minha Revelação Espiritual disfarçada de «esgotamento nervoso». Nada disse por trás da sua barba. Só me recordo da penumbra da sala e da ponta dos dedos do dr. esfregando-se, polegar-indicador-médio, à espera da nota.

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  3. Este comentário foi removido por um gestor do blogue.

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  4. Excelente artigo, esperamos a prometida continuidade!

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