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quinta-feira, 23 de maio de 2013

Fazia-lhe o mesmo a si


Há histórias notáveis de resistência.  A., 56anos, é uma  senhora  que viveu  a cuidar dos filhos e da fazenda ( horta), o marido era pedreiro.  Ele está sem trabalho há quatro anos, sem subsídio há quase dois, sem se poder mexer muito há um: L5 e L6  esmagadinhas  e as outras vértebras também  não se sentem bem. Dois filhos. Um na Alemanha  há muito tempo, o outro foi para lá agora, deixando cá  a mulher e um bebé.
A. é corada, seca de fastios, voz decidida. Que não, que não se deixa abater. É verdade que agora o lema de Vale de Azevedo   - um escudo é um escudo - é para ser levado à letra. Não, não é de fome que falamos. De outras coisas: não pode arranjar os dentes, não pode ir ao privado operar-se ao pulso ( túnel cárpico), não compra roupa faz este Natal um ano.
A. não se deixa abater porque já viveu no inferno. Tinha outro filho que morreu num acidente de mota com apenas dezoito anos. Perguntam talvez: o que tem uma coisa a ver com a outra? Ela responde: Não passei por aquilo, e ainda passo, Deus sabe, para me ir agora abaixo por causa do que andam  a fazer ao povo.
A. tem uma rotina. Todos os dias vai a casa de uma vizinha  ( que é como quem diz,  de outro lugar,  a mais de  um quilómetro) de quase noventa anos. Lava-a, dá-lhe um jeito na casa,  reforça-lhe  a dieta que as senhoras do Centro deixam todos os dias. Pergunto-lhe, provocador,  o motivo. Olha-me com um desprezo de veludo: Fazia-lhe o mesmo a si.

7 comentários:

  1. Tem Cristo na massa do sangue e mataria por amor de Portugal, como a padeira de Aljubarrota.

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    1. Um bocado gongórico, Joaquim. É mais laço humano.

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  2. Pois é... são os outros que nos aguentam.

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  3. Faz-me lembrar um curto e bonito poema de Antonio Machado.

    Moneda que está en la mano
    quizá se deba guardar;
    la monedita del alma
    se pierde si no se da.

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  4. São estes actos gratuitos que nos devem inspirar a todos. Este "fazia-lhe o mesmo a si" é de uma entrega que até comove. Andamos às voltas com tantas coisas que nos esquecemos que tudo é tão simples quanto isto, e não é tão difícil assim de pôr em prática. Os efeitos seriam compensadores. Para todos.

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  5. Quem ajuda, também se ajuda.
    ~CC~

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