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domingo, 27 de abril de 2014

To fancy each other


Esta expressão inglesa é usada por Schopenhauer ( A Metafísica do amor) , um leopardo muito cá de casa. Quer ele dizer que o primeiro passo para a nossa  existência, o punctum saliens da vida,  é esse instante em que os nossos pais  começaram a amar-se: to fancy each other. Isto é de outro mundo.
A regra hoje é o petiz ter  duas casas bem antes de  aprender a ler. Não sei se fará  muita diferença, as crianças adaptam-se a tudo - a pais por decreto, a pais que se odeiam etc -    mas fico sempre a pensar como a cultura desenvolveu este sistema.
O casamento para  a vida  é antinatural, foi feito pela cultura, como  a poesia ou a bomba atómica, mas parece que ela agora  resolveu outra coisa. Not so fancy.

33 comentários:

  1. Assumido o remendo como "regra", fará a diferença que dista entre "not so fancy" e "fancy". Talvez o sagrado, eu diria. Mas isso olhos do mundo pós iluminista é pouco menos de nada.

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    1. O sagrado também existia em Elêusis, Atenas, Corcira etc., sem a monogamia. Há muitos sagrados, João.
      Há papagaios e pinguins monogâmicos...

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  2. Não é a primeira, nem será a última vez que enuncias o que todos pensamos. Não basta a vontade, é necessário o entendimento da cultura (que identifico com a imagem escolhida) . De certa forma, estupidamente falando, filhos são cultura e há que preservá-los, mas nem sempre é possível, e eles de facto acostumam-se, principalmente quando têm amigos cujos pais se debatem continuamente, discutem até de manhã e acabam a invejar os amigos cujos pais se divorciaram e dispõem de duas casas, habitualmente calmas, sem gritaria, ao menos uma onde o diálogo, o choro, é admissível. Duas, se possível.

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    1. é um nó em Górdio para um Alexandre, Alexandra.
      Sou confrontado muitas vezes com essa polaridade: melhor duas calmas ou uma de cizânia?

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  3. É curiosa, de facto, essa transformação cultural. Convivo com a realidade italiana, aparentemente muito mais tradicional, sobretudo a sul, onde a noção de família ainda parece ser um bastião social, não sei se por questões de tradição, de pobreza / isolamento (estou a falar do sul "real", Campanias, Calabrias e afins) ou por razões jurídicas (não há união de facto, pelo que sei, portanto as mulheres, por exemplo, ficam muito desprotegidas sem a fede). É certo que as pessoas também deixam de se fancy, mas o casamento parece continuar a ser para a vida, sobretudo não parece haver espaço para filhos fora do casamento, fora da família. É engraçado que os objectivos também são outros, não necessariamente melhores ou piores: os casais portugueses que conheço, todos a começar os trinta, querem viajar, divertir-se, fazer carreira, os italianos querem sobretudo formar família, o resto parece ser secundário. Mas, lá está, é uma experiência isolada e geograficamente localizada. Nos grandes centros urbanos as coisas piam de outro modo.

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  4. gosto desse cenário - das duas casas, habitualmente calmas -, na medida do ser realmente possível.

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    1. não levando muito à letra: um caixão também é calmo.

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    2. eh eh eh, para não levar mesmo. um pouco de calma é bem-vinda :)

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    3. Nashi, Nashi :)

      Referia-me àquela calma entre gente que sociabiliza normalmente e onde existe, claro, a dose mais que normal de ruído, entre ralhetes da progenitura, ralhetes entre as descendentes, etc., muito preferíveis a um silêncio conjugal glacial/gritaria conjugal glacial.

      Sou toda pela ideia da família. A ideia, movendo-se connosco ao longo do tempo, amadurecendo com as circunstâncias (as crianças, para mencionar o exemplo do post). Nem sempre dá, e eu não me dou com ideias congeladas.

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    4. era exactamente com isso que eu concordava, Alexandra.

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  5. Peço desculpa. O Sul da Europa e o Islão está cheio de mães boazinhas. Uma boa mãe, e não a boazinha,será sempre uma mulher com mundo e cultura (atenção, o doidivanismo não entra nesta definição de boa mãe). Uma mãe dita boazinha tende a criar os filhos num registo que os leva a ter locus de controle externo e não interno (se é que estou a aplicar bem estes conceitos) e será isso bom? ...Não sei...

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  6. Todas as soluções humanas para a sua existência são constructos antinaturais. É isso que nos torna tão interessantes e tão assustadores ao mesmo tempo - sermos capazes de ir contra natura, de construir e destruir em igual medida. No campo relacional, queiramos sempre o impossível. Se não funcionar, tentemos outra e outra vez. Ninguém desistiu de construir casas e pontes porque, pelo caminho, elas também foram desmoronamento e experiência falhada. Sejamos casa e possibilidade de abrigo. Sejamos pontes, sempre. Sobretudo nos momentos em que nos acharmos menos capazes de ligação.
    Assinado: uma optimista :)

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  7. Filipe, um dos maiores êxitos editoriais de cada saison, desde há milhares de anos, é a decadência da família. Já era tempo de nesta altura estarmos a casar com alcachofras e a comer os nossos rebentos (isto adaptado à nouvele cuisine radical chique). Em cinco segundos, encontrei isto:
    http://analisesocial.ics.ul.pt/documentos/1224165225Z5aRR5fx5Sc98EV6.pdf

    Está bem que, como os autores são franceses, aquilo se deveria passar, em meados do século passado, em França, um pais que se aburguesou mais cedo, enquanto por cá se mantinha uma saudável sociedade rural, que nessa altura ainda se prolongava até ao Chiado, porque parece que até por aí se passeavam perus pelo menos no Natal. Sabes como é. Abriu o primeiro macdonalds no champs élisées, o pai foi acheter, o miúdo sentou-se em frente da télé a comer o hamburguer, mãe e pai ficaram na mesa a comer o consomée, catrapumba, quebrou-se ai um link entre pais e filhos e veio a sociedade a rebolar por ai abaixo. Mas então, pelo menos os franceses, que não me consta que tivessem voltado todos a fazer queijo na douce provence, já deveriam estar agora em estilhaços.
    Pronto, cortando agora até ao osso, achar que a sociedade e a familia tinham antigamente em Portugal (ou em qualquer lado) alguma coisa de "fancy", em oposição ao "not so fancy" atual, é fantasia tua.

    caramelo

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    1. Lê o Reich, o primeiro a distribuir preservativos a operários/as e não digas asneiras. A família burguesa ( e a operária que Reicn dizia imitar aburguesa) estava bem e recomendava-se aos olhos de um freudiano-marxista como ele no início do séc.XX, infelizmente para ele, note-se.

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  8. Continuando, agora em modo de apaziguamento, uma coisa que este governo tem feito é implementar medidas de apoio à família, deve reconhecer-se isso. O aperto financeiro tem diminuído a bacanália generalizada e tem até juntado as famílias, porque os divórcios têm diminuído. Os casais são incentivados a roçarem-se pelos corredores, a não ser que vivam num duplex. Com muito menos amor e carinho do que antigamente, claro, e sem que a mãe passe sorridente com a terrina de sopa fumegante (o que seria de qualquer maneira um risco…) , mas ainda assim a petizada fica mais confortada e cresce mais equilibrada.

    caramelo

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  9. Porque não matamos os filhos da companheira a que nos juntamos, quando estes resultam de uma ligação anterior?

    Não seria um acto natural, querer preservar e garantir a nossa herança genética, em detrimento de outra?

    Diz o macho natural, em busca de uma aproximação à Natureza e ao sucesso da procriação em casas separadas e calmas...

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  10. not so fancy, que na prática importa só o que se sente, não havendo teoria que suavize. abro parênteses para a construção de pontes e introduzo uma private joke, de que nem a ponte sexy me convence. as vertigens, as filhas da mãe das vertigens. não se enganem. é só aparências :)

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  11. Eu julgo que a perda da família, como acima discutido, prende-se com o facto de se julgar o casamento como um acto de amor. Não é. O casamento é um contrato acima de tudo. Um contrato entre pessoas, famílias e sociedade. O amor não tem nada a ver com isto. Ou tem, como se tem a uma empresa, a uma sociedade comercial, ou outro contrato qualquer. Parece-me.

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  12. Não será apenas, porque se inventou um equívoco no casamento, o amor? Parece-me que o casamento é apenas ou fundamentalmente, um contrato. Um contrato entre pessoas, familias e amigos. Ou com uma qualquer religião. Transformar o casamento como prova de amor, é um dos maiores equívocos do século XX. A Disney deve ter algumas culpas no cartório, seguramente.

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    1. sim, na perspectiva do direito civil. Há outras...

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  13. O casamento é um contrato realizado com que objectivo?

    Procriar, ter sexo, e amar, nem que seja Ilusoriamente, não valem a pena?

    Ou será que o amor também foi calibrado e hipotecado à Troika?

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    1. São vários os objectivos do casamento: A paz, a ordem, a unidade, os impostos, a divisão, a união, o sexo burocrático, o sexo alternativo, a vertigem, o amor (também). Estes, para além dos que cita, gloriosamente sensatos.

      O amor não tem nada a ver com burocracia, parece-me, sitio onde o casamento, ou a troika, se instala ou depende. Pode é derivar em casamento, mas lá está, isso é outro negócio.

      O amor, e boa vontade como uma unidade, é uma 'narrativa' da disney. Ou não?

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    2. Mas por outro lado (lá vamos nós para o diálogo infinito da humanidade) se o amor não passar de um conceito romântico, inscrito numa certa propaganda sociológica, então como podemos "conhecê-lo", criticar e justificar as nossas próprias afirmações fora do âmbito desse "jogo de linguagem"?

      Talvez aqui se imponha a leitura de Wittgenstein, que é a melhor terapia para a linguagem que conheço.

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  14. Anónimo de 5 de Maio, pelas 13:20,

    3 perguntas tontas, por duas razões:

    1. originalmente, podemos considerá-lo um contrato, pois que da preservação da terra (call it territory) se tratava, entre famílias (ainda acontece);

    2. originalmente, podemos considerá-lo um compromisso, um projecto de vida em comum, pois que da preservação dos sentidos (call it love) se trata, entre famílias (ainda acontece).

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    1. Exacto! Muito bom. acrescentaria, apenas, se me permite, o ponto terceiro:
      3. originalmente podemos considerá-lo amor, uma dependência generosa, (call it desire) pois da preservação do ego se trata, entre indivíduos (já acontece).

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