email para contactos:
depressaocolectiva@gmail.com
depressaocolectiva@gmail.com
quarta-feira, 16 de dezembro de 2015
domingo, 13 de dezembro de 2015
50 anos: Viva la muerte!
Cumpro hoje, roubando ao falangista Millan Astray a suposta* imprecação soltada em oposição ao discurso fabuloso de Unamuno em Salamanca: "Viva la muerte!"
Descansem que não sou o meu próprio assunto, nem vos maço com os detalhes de um dia que começou com a porta da garagem a cair-me em cima do carro. Apenas para puxar a brasa à sardinha aqui do DC: se estás vivo, até da morte ris.
* Foi Serrano Suñer ( já uma vez trouxe aos blogues a sua biografia) que garantiu a legitimidade da frase, mas Suñer não estava na universidade de Salamanca nesse dia. Pernán, autor do hino falangista, amenizou , dizendo que foi "morram os intelectuais traidores". Sea lo que sea.
sábado, 12 de dezembro de 2015
Seguradora Love & Cª
Mulheres. Entre os vinte e os sessenta. Problema: o assumir, por parte deles, da relação ou o continuar da relação, casamento, união de facto, o que seja. Restinga: as garantias.
Apesar de já andar nesta vida - de psicoterapeuta, ou de mecânico de pessoas, como certa pessoa, generosamente, me alcunhou - há muito tempo, ainda me espanto. Elas querem um seguro, com garantias e franquias, de tipos que lhes mostram, com panache, que não estão para aí virados. Por que insistem? Ah...., sim, o amor.
A linha desenha-se com finura. Há amor, mas tem de haver solidez, compromisso, segurança. Então que diabo: se o amor é mais importante, a única coisa que conta e etc, para que raio deitam tudo a perder com as cláusulas?
Uma possível resposta encontra-se num amável logro que décenios de política feminista não conseguiram ainda neutralizar ( o Bukharin dizia serem necessárias dezenas de gerações para eliminar o conceito de propriedade privada): o amor é uma projecção.
Daí a seguradora. Quando fazemos o empréstimo para habitação, a seguradora projecta no tempo do empréstimo a nossa esperança de vida. Se temos diabetes e já somos maduros, a prestação é alta e aumenta a cada ano, se somos novos e como pouca cheta, a seguradora protege-se e não bufamos.
Pois nessa coisa do amor, as seguradoras são elas. Animem-se , portanto, as mulheres: se eles não pagarem, leia-se assumirem , adeuzinho e boa sorte. Ou conhecem seguradoras boazinhas?
terça-feira, 8 de dezembro de 2015
Correio sentimental
"Estamos juntos há muitos anos, ela é muito discreta, a cama é muito boa, mas um grande amigo meu disse-me que um amigo dele ( de quem ela fala, de facto) se gabou que só não come a minha mulher porque não quer. Ela é, portanto, uma cabra sonsa. Como é isto possivel? O que devo fazer?"
R: Querido, tudo é possível. Se retiramos o impossível, o que ficar, por mais inverosímil que seja, é a verdade. Assim ensinava o Conan Doyle. Calculo que o tempo faz o seu desgaste, por isso aconselho-o a aproveitar melhor o seu. Tem facebook ou uma cana de pesca?
"Ele só me quer lá em casa dia sim, dia não. Já chegámos a viver juntos, mas agora estamos nisto. Ora troca mensagens carinhosas comigo, ora está uma semana sem atender o telemóvel. Não aguento mais , não sei viver assim, só me apetece fugir, dormir sem fim".
R: A emancipação feminina libertou também os homens. Já não precisam de uma empregada em casa e o madonna-whore complex passou à História. Agora só querem whores.
Sugiro um convento. Ou o facebook.
sexta-feira, 4 de dezembro de 2015
Ao trabalho: pequena nota sobre as contradições
Caridad Mercader, comunista e mãe do assassino de Trotsky, salvou da morte imediata, em Julho de 1936, o general Goded. Local: Barcelona, no dealbar da guerra civil. O general fez depois uma declaração na rádio libertando os seus seguidores de quaisquer obrigações. Acabou por ser fuzilado pelos republicanos em Agosto. Duas contradições? Aparentemente.
As contradições ( as dissonâncias cognitivas, na lalangue técnica) são adoráveis e uma das dimensões axiais da natureza humana. Nunca viram uma leoa perseguir uma zebra, derrubá-la e depois resolver não a comer, pois não?
A contradição é capaz, por exemplo, de derrotar o instinto ou uma das suas traduções culturais , o fanatismo. Nos triangulos amorosos, quem quiser um resumo no audiovisual tem este belíssimo filme: revejo-o sempre que posso.
quinta-feira, 3 de dezembro de 2015
quarta-feira, 2 de dezembro de 2015
20 anos de gabinete: da miséria sexual
Uma coisa é o embrulho: sexo na publicidade, no lixo-tv, nas conversas-rádio, no abastardamento do pobre Masoch ( está aqui , é gratuito) etc. Outra coisa é o que se passa. Só posso dar conta do que ouço, semana após semana, ano após ano. E é mau. Como psicólogo levo mais, mas como psicoterapeuta levo vinte anos de gabinete ( atingi anteontem a marca) e o registo da miséria sexual é estelífero. Exemplos:
Mulheres belíssimas cujos companheiros despacham na cama sem a menor consideração pela anatomia feminina, são muitas. Eles não exploram, não estudam, ( o porno vende mulheres sempre prontas, é uma estucha) não falam. Por que não lhe explica o que quer? Tenho vergonha. Talvez, mas o que impressiona nestes casos é o desperdício.
Uma operária de trinta e picos, de quem gosto muito e já conheço faz tempo, contou-me certa vez que o marido sofria de ejaculação precoce. Ela queria um orgasmo como as outras. Então e ele não se trata? Ele diz que não tem problema nenhum, por ele está satisfeito. Oh boy, se alguma vez um par de chavelhos assentou bem foi a esse cromo. Ainda consegui uma sessão de casal e o tipo, envergonhado , lá prometeu resolver a coisa. Até hoje e ela lá continua, fiel e verdadeira.
Nos casais de meia idade à moda antiga, noto uma evolução tremenda nelas. Querem mais e perderam a vergonha. Eles ainda continuam a falar em cumprir a obrigação. Notável dissonância.
Mulheres novas e solteiras, desinteressadas e desiludidas com o truca-truca. Umas porque acham que os rapazes mordernaços só as usam para isso, outras porque só o querem numa relação a sério. Em comum, o suspeito do costume: o compromisso.
Um anacronismo, exemplificado num episódio que uma amiga aqui do DC me contou um dia. Estava ela numa roda de bar, homens e mulheres, trintões, e um começou a falar picante com ela. Ela, desinibida, respondeu à letra: o tipo recolheu à base. As aulas de cozinha, a depilação e os hidrantantes masculinos ainda não conseguiram libertar os homens do jogo do lencinho.
terça-feira, 1 de dezembro de 2015
O excruciante problema da antecipação
" O meu mal é que antecipo muito as coisas" também é das frases no top ten do meu gabinete. Deixemos a canga da obsessão grave, da cisma anancástica : um termo que caiu em desuso, ainda tenho fichas antigas de doentes dos anos 60, feitas pelo meu pai, com essa palavra. Olhemos para a coisa nas personalidades comuns.
Antecipamos tanto as coisas boas como as más. O problema é que antecipação do bom não nos provoca angústia. Antecipar o mau , numa justa medida, pode ser bom: prepara-nos. Numa medida desmesurada imobiliza-nos. Então por que o fazemos?
Uma resposta pode estar no passado. Pessoas que já viveram situações terríveis tendem a familiarizar-se melhor com potenciais incómodos. São os realistas depressivos. O real é o produto do nosso olhar, que, inevitavelmente, não se consegue desviar. Resta-te viver.
O grande, o maior, diz isto muito melhor do que eu:
It is possible, possible, possible. It must
Be possible. It must be that in time
The real will from its crude compoundings come.
sexta-feira, 27 de novembro de 2015
quinta-feira, 26 de novembro de 2015
terça-feira, 24 de novembro de 2015
Rir, sorrir
Ultrapassando os devaneios freudianos ( 1905 e 1927) e os pós-freudianos ( milhares) sobre a diferença entre a piada ( chiste/witz) e o humor, carregados de energia, pulsões, superegos e outras carambolas. O riso e o sorriso, a intersecção entre eles, interessam-me mais. São poderosos afrodisíacos, são excelentes anqueos das relações. Excluo, óbvio, as manifestações nervosas ou dementes.
Os fanáticos - comunistas, nazis , fascistas ou jihadistas - odiavam/odeiam o humor. É natural: é profundamente humano. Zoschenko é descrito pelo grande Vilhena como fino psicólogo. Coitado, tinha sucesso e era querido até ao decreto Zhdanov, de 1946, que estipulou que toda a arte tinha de ser conforme à linha do Partido ( ainda há patos que julgam ser possível falar de arte soviética). O conto Despertadores é fabuloso: um homem guia-se pelo sol num dia ensolarado mas é acusado de chegar tarde à fábrica, porque o relógio atómico soviético contraria ...o sol.
Rir e sorrir são afrodisíacos porque existem sempre nas relações , ou momentos, em que o desejo está vivíssimo. Ou seja, não são nenhuma receita milagrosa ( não existem afrodisíacos), apenas pertencem, por direito, ao prazer.
sexta-feira, 20 de novembro de 2015
Decisões, indecisões...
"Prefiro que todas as igrejas de Espanha sejam incendiadas a que um só republicano seja incomodado". Manuel Azaña, nas vésperas da guerra civil espanhola, não era um exemplo de indecisão? Falar é fácil.
O processo de decisão é das coisas mais reveladoras do estado emocional do sujeito. Não tanto da personalidade porque a mesma pessoa pode apresentar em pouco tempo modos diferentes de decidir.Tratemos da indecisão.
Há meia dúzia de anos, uma mulher, trintona e jeitosa, entrou-me no gabinete a esconder o que queria contar. Vivia enterrada numa aldeia beirã, era casada com um desleixado e tinha um café. O cliché foi inevitável. Tomou-se de amores por um vendedor que a tirava daquele buraco e a aproximava do mundo das novelas e das revistas. O problema é que o problema arrastou-se no tempo e ela não conseguia decidir : acabar com tudo ou contar ao marido? A primeira significaria ficar sem a luz da sua vida miserável, a segunda o reconhecimento de que não tinha força para enfrentar o marido, a família e aldeia. Um dia chega e diz-me que o marido morreu.
A mulher nunca chegou a decidir, mas nem assim descansou. As decisões têm um lado de troféu, são o produto de um trabalho em que nos envolvemos. A indecisão prolongada revela, da minha experiência, um desconforto do sujeito: não com o resultado da opção mas com ele próprio.
segunda-feira, 16 de novembro de 2015
A propósito de sociopatas parisienses:
A Rita, nos comentários ao post anterior
"a falta de clareza não era acerca
dos sociopatas e das suas conhecidas experiências, mas sim a relação que
coloca entre o desejo e antidesejo, que não percebi patavina".
Odiar alguém e amar alguém são categorias lexicais do desejo: desejar o mal do outro / desejar o outro. Também têm em comum a formalidade do processo, a encadernação, e, por vezes, a sentença final: já não te /me desejo/as.
O problema, e agora acrescento, é que usei a expressão antidesejo como uma declaração política: considero que desejar o mal do outro não chega bem a ser um desejo. Daí o prefixo.
Blanchot dizia que o desejo é a distância tornada sensível. É a melhor de todas. Implica a capacidade de sentir a pele do outro mesmo que a mil quilómetros e a mil interditos de distância . Os nazis, como os sociopatas jihadistas ( estou a falar dos indíviduos, não do movimento), eram incapazes de estar um dia sem tocar nos judeus, ciganos, homossexuais. Antidesejo: a proximidade tornada insuportável.
domingo, 15 de novembro de 2015
Antidesejo
Em 1942, 50% ( 38.000) dos médicos alemães estavam inscritos no partido nazi. Os médicos do Instituto para Pesquisa em Psicologia e Psicoterapia de Berlim acreditavam na cura dos homossexuais. Em Buchewald, Carl Vaernet e Gerhard Schiedlausky castravam e injectavam hormonas masculinas nos homossexuais presos ( usavam um triângulo cor de rosa) sob o artigo nº175 do código penal ( fonte).
O antidesejo é muito parecido com o desejo. Se estivermos excessivamente ligados a uma pessoa, conseguimos imaginar uma droga que nos liberte. A diferença para os sociopatas nazis é que não sabemos para que serviria.
Mudar, separar, ligar
O que nos muda? Este da foto, uma vez velhote, continua a juntar-se de vez em quando à manada de origem quando as pernas lho permitem. O resto dos dias passa-os sozinho
Não me refiro estritamente às imposições - velhice, doença, reforma -, mas ao que depende da interpretação do que nos acontece. Falo, portanto, de uma acção da vontade.
Amadurecer significa separar de forma mais nítida, ligar de forma mais intíma, explicou Hoffmansthal, que almoçava cá em baixo enquanto o filho se matava no andar de cima. Isto pressupõe o tal exercício de criatividade. Se ficarmos apenas diante do que nos acontece, resta-nos a amputação ou fuga.
Separar de forma mais nítida. Implica, por exemplo, aceitar que é mais orgulho do que tristeza o que nos mói quando alguém nos trai.
Ligar de forma mais intíma passa por descobrir que temos memórias de quem gostamos que alimentam tanto o desejo como o presente.
quinta-feira, 12 de novembro de 2015
quarta-feira, 11 de novembro de 2015
Padrões
Se seguíssemos grandes felinos, distinguiríamos uma leoa adulta de um macho jovem junto de uma poça de urina: sendo a pug mark quase igual, a distância entre as patas traseiras é sempre maior na fêmea. No veld fóbico e/ou obsessivo, encontrar os traços, as diferenças, aquilo que distingue.
Na diminuição obsessiva, puxar o filme atrás: não para desvarios psicanalíticos, antes para encontrar a altura da vida em que a pessoa perdeu confiança. Uma mudança de escola, a doença da mãe, um corpo disforme na altura X.
Na locomotiva fóbica, não tanto o passado mas o catalizador da crise de pânico. É preciso trabalho de detective igual ao anterior, mas mais aborrecido: esquadrinhar o quotidiano, repetir o exercício infinitamente. A certa altura ele começa a tomar forma, mas nunca como imaginámos. Pode ser um pensamento obsessivo ( daí a mistura), uma determinada hora do dia, a sensação de fome etc.
O padrão importa porque é a partir da sua identificação que podemos ajudar a pessoa a destruir a ideia de inevitabilidade, de impotência diante do distúrbio. Começa o fim do irracional.
sexta-feira, 6 de novembro de 2015
Pequeno guia para homens casados não perplexos diante delas
Parafraseando Maimônides. Aqui vai:
1) O sexo começa de manhã. Por isso talvez seja bom não berrar com ela todo dia e esperar quentura toda a noite.
2) Se lhe perguntares o que ela está a pensar, ouvirás apenas o que queres; se lhe pedires uma opinião, ela dirá o que lhe apetece.
3) Reconhecer a superioridade de seres que pensam em mil coisas ao mesmo tempo. Estamos para elas como um boi está para um cão-guia.
4) Elas só têm duas posições políticas na casa: mudar a casa ou mudar de casa. Cautela, portanto, com as sugestões.
5) Para elas, falar é comunicar. Para nós, é perder tempo. Assim começam grandes enganos e pequenas traições.
quarta-feira, 4 de novembro de 2015
terça-feira, 3 de novembro de 2015
Ao trabalho: autoanálise
Não da minha vida, credo, mas da técnica. Estando no auge das minhas capacidades como psicoterapeuta, onde tenho falhado mais e onde tenho tido mais sucesso?
1) Falhas:
- Melhorar a conclusão das sessões. As pessoas gostam de mapas. Não podemos elogiar um restaurante e depois dizer-lhes que fica ali na Beira Alta.
- Tolerar mais a incapacidade masculina de organizar as ideias. Felizmente tenho poucos homens em terapia, mas merecem um esforço.
2) Sucesso:
- O estilo. Tem funcionado muito bem. Se as pessoas quisessem gatinhos e flores, ficavam no facebook.
- O acompanhamento por email. Significa ( muito) mais trabalho, mas cumpre uma velha regra: neste negócio a dedicação é exclusiva.
domingo, 1 de novembro de 2015
Ao trabalho: elogio do cinismo ( escola...)
Um bocadinho de teoria, hoje tem de ser.
A página tantas, Cícero ( Tusculanas, V: XXIX) discute a posição dos peripatéticos sobre a dor em oposição à dos estóicos. A acção meritória deve ser levada a cabo apesar do sofrimento. Isto fez com que Teofrasto se aproximasse dos estóicos , sempre criticados pelo radicalismo da virtude acima de tudo. Não deixa de ser curioso quando hoje, na linguagem comum, associamos o estoicismo apenas à capacidade de suportar a dor . O ponto é a acção meritória, a dor é uma nota de rodapé.
Ora, fazer o que temos de fazer é muito próximo, por sua vez, da regra de ouro dos cínicos. O nome da escola vem do grego kunikos, ser/fazer como um cão. Várias teorias, a que me parece mais razoável vem do nome do ginásio Cinosargo ( cão branco / cão rápido) onde ensinava o pai fundador , Antístenes. A tal regra de ouro, a askēsis: viver de acordo com a natureza, desprezar as convenções. O ponto comum entre a escola cínica e a escola estóica é a aceitação do destino natural modificado pela vontade de o perseguir.
A aplicação terapêutica configura uma disposição a passar às pessoas, nas palavras de Diógenes: Para quê viver, se não te dás ao trabalho de viver bem?
quinta-feira, 29 de outubro de 2015
Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come
Os pais falam num mundo diferente, mais perigoso, em miúdos que ainda não sabem tomar conta deles próprios, no álcool, nas drogas, no sexo, na dissolução dos valores. Vai daí, a protecção, as restrições, as zangas.
Os pais repetem o discurso que os seus pais lhes repetiram. O que todos os pais querem é ver o telejornal ou a novela, tomar um xanax e ir dormir descansados.
segunda-feira, 26 de outubro de 2015
Obsessionem
Foi reitor da universidade de Upsalla e professor de medicina: teimava que a Suécia era a Atlântida e que o sueco era a língua de Adão. Mais do que o delírio histórico-linguístico, importa assinalar a universalidade da ideia obsessiva. Ela é uma espécie de vespa asiática. Ou de muro.
O exemplo de Rudbeck mostra duas coisas:
a) A obsessão alimenta-se dela própria: quanto mais tempo dura, mais cresce.
b) É independente do teste da realidade.
Tenho em mãos ( salvo seja) três mulheres obcecadas com três homens. Duas delas, aparentemente, tentam deixar de gostar deles. A obsessão assume por vezes esta forma. Nos assuntos românticos pode parecer estranho, mas nos rituais compulsivos já encaixa: por exemplo, a pessoa que tem de fazer quatro cargas de máquina senão acontece alguma coisa ao filho. A ideia de que temos de deixar alguém mas que não o conseguiremos é um ritual compulsivo. Estendido.
Se temos um muro à frente, não adianta bater com a cabeça nele. Interessa procurar o tijolo solto. Nas obsessões, o ponto fraco tem de ser procurado com paciência e detalhe. O amor-próprio ( também conhecido pelo termo garagista de auto-estima) costuma ser uma boa lanterna se a pessoa conseguir perceber, ao contrário do nosso sueco, que a obsessão só gosta dela própria.
quinta-feira, 22 de outubro de 2015
"Perdi anos de vida"
É uma frase que ouço tantas vezes como o hino do SLB. E ouço-a sobretudo a mulheres, quase exclusivamente a mulheres ( também é verdade que quase só tenho mulheres em terapia). A frase refere-se , na maior parte das vezes, a relações amorosas ( namoros, casamentos, uniões etc), às vezes à adolescência , poucas a situações profissionais. Vale, no entanto, para tudo.
1) Nunca perdemos anos de vida. O passado é a única coisa que nos pertence. Nenhum governo, religião, pessoa, nos pode tirar o dia de ontem. Por mau que seja, é nosso.
2) A sensação de que desperdiçamos vida remete para uma ideia dela. De que ela deve ser bela, amarela, azul, gorda, magra, espessa, fina. Esta ideia é feita depois de termos vivido os tais anos que julgamos perdidos. Não é assim.
3) Isto inclui a história de um apaixonado casal de meia idade. Tiveram filhos, reformaram-se ( remete para um tempo em que as pessoas se reformavam cedito...) e viviam, quando a conheci, uma segunda lua de mel, resolvida que foi uma pequenita questão sexual. A página tantas, ela tem um cancro e morre. Ele ficou aparvalhado, sozinho, , sem rumo. A pergunta: perdeu anos de vida?
segunda-feira, 19 de outubro de 2015
domingo, 18 de outubro de 2015
Paralisia ducal
Se a coragem idiota ou a obstinação irracional podem trazer-nos sarilhos, o excesso de cautela também. Quantas pessoas não tive no gabinete que se recusaram a arricar um milímetro...
O excesso de cautela, para o que nos interessa aqui, vem muitas vezes das personalidades obsessivas, variação dubitativa. Ponderam, analisam, voltam a ponderar e ficam imobilizadas. O problema é que os problemas não esperam por elas. Arranja-se assim um desencontro entre a história do mundo e elas.
O Duque de Medina-Sidónia ( o VII) ficou na História como alguém dado à paralisia. Protagonizou episódios caricatos na batalha naval com os ingleses ( um recuo e uma viagem de regresso à volta da Grã-Bretanha) e um outro em Cádiz. O Conde de Essex chegou, conquistou a cidade, bateu nos gaditanos e foi-se embora. Medina-Sidónia congelou e só depois apareceu. Cervantes dedicou-lhe um trecho admirável de ironia:
Ido ya el Conde, sin ningún recelo,
Triunfando entró el Duque de Medina.
quinta-feira, 15 de outubro de 2015
quarta-feira, 14 de outubro de 2015
Gender soup
Uma pequena trouvaille para desanuviar.
Hoje sou eu a fazer sopa. Anuncio que quero começar a fazer sopas não passadas. Comentário da maioria feminina ( o meu aliado foi para fora): Não queremos sopas de cavadores, não andamos à jorna.
terça-feira, 13 de outubro de 2015
Cabeça fria
Já não me podem ouvir, no consultório, com isto da cabeça fria. E com razão.
Estou a chegar aos 50. Levo metade da minha vida nesta faina ( muitas centenas de histórias de vidas acompanhei), enterrei um filho, tive um cancro, publiquei quatro livros, ou seja, tenho obrigação de saber alguma coisa. Se tivesse de resumir o que sei ( não é muito difícil) sobre situações delicadas já sabem o que diria.
Cabeça fria não é indiferença ao perigo, grace under pressure, aplomb, panache, valentia. Cabeça fria amarfanha a condição estóica (1) e o instinto de sobrevivência (2):
1) Significa aceitar o que nos acontece sem raiva ao mundo nem auto-comiseração, mas também sem desistir. Cada dia é um ciclo inteiramente novo ( daí a deriva popularucha do um dia de cada vez, que se conduzir ao cadafalso não adianta muito), o passado é nosso, o presente está a ser feito, o futuro estou-me nas tintas.
2) Queres ou não viver? Se queres, tens de viver bem. E viver bem monta um cavalo decidido, que sabe para onde vai. E um cavalo precisa de um cavaleiro que lhe diga para onde ir, que saiba para onde ir. A hesitação, a tremura ou a intrepidez estouvada fazem-te cair da sela em segundos.
sábado, 10 de outubro de 2015
Dia mundial?
Da saúde mental? Bem, se for pela dignidade no tratamento, está bem; caso contrário é uma infantilidade. Seja como for, umas notas simples sobre as várias opções climatéricas da saúde mental:
1) Autonomia
É a principal. O João dos Santos dizia que os sujeitos autónomos são como aqueles aviões que costumam fazer um trajecto longo com uma pausa a meio, mas que se um dia for necessário fazem-no de uma enfiada.
Se somos escravos das neuras de infância ( ciúmes, despeito), das tragédias que vivemos ou da aprovação de terceiros, então mais vale embalar a trouxa e zarpar. Ser autónomo ( viver pela nossa lei) significa conhecer tão bem as nossas necessidades de forma a que elas se esqueçam de nós.
2) Anqueos
Nome antigo para laços. Criar laços, estabelecer laços, cortar uns, desatar outros, fazer novos. Liberdade total, não há sagrado. Uma relação de trinta anos pode acabar, um filho pode cortar com o pai. O que nos distinguirá do doente mental, sobretudo do undercover, é essa abertura ao exterior. Como dizia um velho e chanfrado psicanalista, Paul Racamier, na relação esquizofrenica mãe -filho , um mais um é igual a infinito.
terça-feira, 6 de outubro de 2015
Comunicar, tocar
Quando se treina cães durante muitos anos aprende-se imenso. Esta tese não faz grande sucesso no meu gabinete, vero, mas insisto: é que os cães não comunicam com palavras.
Uma vez, ainda dava aulas, fiz um exercício prático numa turma de futuros psicólogos. Tinha havido um acidente de avião brutal e uma senhora de idade perdera , salvo erro, a filha, o genro e dois netos. Agarrei numa jovem que fez o papel da senhora sentada no aeroporto Charles de Gaulle, desesperada depois de saber a notícia. Convidei cada uma das alunas a actuar como psicólogas. Uma a uma sentaram-se ao pé da senhora e descarregaram a cartilha burocrática : Coragem, compreendo a sua dor etc. No final do exercício, fiz-lhes notar que não houve uma alma capaz de ter dado um abraço à mulher, ou , por exemplo, de lhe agarrar as mãos.
O toque, a atenção à linguagem corporal, a gestão do contacto visual são categorias-chave no treino canino. Nas discussões conjugais, ou nas entre pais e filhos, estas categorias podem desbloquear uma comunicação branca, repetitiva ou até patológica ( acusações antigas, insultos etc). Se os cães podem, nós também...
sábado, 3 de outubro de 2015
sexta-feira, 2 de outubro de 2015
Bem visto
A conta mistura banalidades parvas com banalidades muito boas. Como esta:
"If you stay, stay forever. If you go, do it today. If you change, change
for the better. If you talk, make sure you mean what you say".
É para ser lido com um grão de sal. O ficar para sempre significa apenas ficar, ou seja, não andar a entrar e sair. E é verdade. São sobretudo eles, na minha experiência, que gostam da porta giratória e isso está ligado ao sentimento de posse.
O falar claro tem muito que se lhe diga. É bom, mas não é tudo. Este ano já tive três mulheres no gabinete cujos ex acabaram com curtas sms...
terça-feira, 29 de setembro de 2015
O inferno não são os outros
Esperamos sempre que as coisas resultem porque os outros são melhores do que nós.
Mrozek sabe do que fala. Apoiou o regime de terror comunista polaco ( assinou uma célebre carta aberta concordando com a execução de padres católicos, comparando-os a tipos das SS) mas depois casou, fez uma viagem a Itália com a mulher e desertou. É um bom dramaturgo e cartonista, mas, como passou para o lado errado, em Portugal, por exemplo, quase ninguém o cita nem edita ( só temos "Os Emigrantes" ).
Ao contrário da cartilha freudiana, estafadamente repetida, os outros podem fazer-nos melhores, sim, sobretudo se antes éramos muito maus.
segunda-feira, 28 de setembro de 2015
O tempo não cura nada
Excepto presuntos. De Vinhais. Três anos. Ou da Quinta da Folga ( menos tempo mas óptimos também). O que o tempo faz às perdas ( de gente ou de relações) é afogá-las. Por exemplo, em mais perdas.
À medida que o tempo passa continuamos a perder. Tempo de vida, dinheiro, paciência, outras perdas. Se ganhamos, ou seja, se juntamos coisas boas ( mais amores, filhos, livros, presuntos) estas também acabam, de uma forma ou de outra, e, por isso, são, à sua maneira, mais perdas.
Nenhuma veleidade: só Napoleão para derrotar Napoleão.
terça-feira, 22 de setembro de 2015
No alvo
" Some people aren't actually anti social, they're just very selective when it comes to the people they associate with".
(https://twitter.com/psychologicaI/status/646443501379432448)
(https://twitter.com/psychologicaI/status/646443501379432448)
domingo, 20 de setembro de 2015
De uma excursão islandesa à Baía dos Porcos
Por vezes acontece-nos isto. Procuramos por nós, de forma suave e persistente, em todo o lado. Não nos encontramos porque nunca estivemos perdidos, apenas nos distraímos.
Richard Bissel foi o homem da CIA responsável pelo brilhante plano de invadir Cuba ( Kennedy é sempre desonerado de toda as trapalhadas excepto a de Marilyn Monroe). Com a exigência de não haver americanos envolvidos, e como era necessária cobertura de aviação, Bissel inventou uma força área cubana livre. Então as praias de Miami viram um cubano, em treino, a pilotar um B-26 supostamente cubano sendo que não havia B-26 em Cuba.
Moral da coisa: somos o que não podemos ser.
quinta-feira, 17 de setembro de 2015
Seres enfadonhos
Todos os conhecemos. Quando os saudamos, retribuem mas já têm uma sólida na culatra: sabes lá a minha vida / ai estás bom? pois eu nem sabes o que tenho passado/ cá ando a aturar aquele chato / não imaginas o que beltrano me fez/ sabias que sicrana etc etc?
Por coincidência , depois do relambório autoreferencial, costumam , se lhe damos azo, passar à segunda modalidade preferida: dizer mal de terceiros. Pode ser das pessoas com quem passaram férias, de um filho, dos pais, dos amigos, do chefe, da empregada.
Curioso é que se examinarmos as suas vidas nem encontramos as grandes tragédias que parasitam outras existências. Até isso lhes falta.
Curioso é que se examinarmos as suas vidas nem encontramos as grandes tragédias que parasitam outras existências. Até isso lhes falta.
São seres enfadonhos porque absolutamente previsíveis. Levam uma vida monástica, pertencem à ordem dos neuróticos impotentes.
segunda-feira, 14 de setembro de 2015
Contra a corrente
A corrente:
1) Não é por ser meu filho, mas ele é muito inteligente.
2) Preciso de me realizar profissionalmente.
3) Não sou de invejas.
4) O tempo cura tudo
5) Ou me aceitam como sou ou então adeus.
6) O que conta é o amor.
7) Não me arrependo de nada.
quinta-feira, 10 de setembro de 2015
Fobia social não é timidez
Da mesma forma que o desembaraço social não é má-educação, a fobia social não é timidez. Pode haver trocas de sms, claro, mas são coisas diferentes.
Tendo a ver os tímidos como Conrad descrevia as âncoras dos navios: An anchor is forged and fashioned for faithfulness. Há neles uma força tranquila, uma espécie de certeza de que só farão o que for necessário, mas fá-lo-ão sempre. Digo-lhes muitas vezes para não se deixarem acabrunhar só porque ficam de mais de lado numa roda de amigos ou não reagem ao primeiro impropério que lhes lançam.
domingo, 6 de setembro de 2015
Fobia social e distância crítica
Sobre sintomas e história têm tudo à disposição na net, vou por outro lado.
Conheço um psiquiatra com fobia social . Cora ( ou pelo menos corava) se cumprimenta um conhecido na papelaria da esquina. Depois há aqueles que falam a olhar para o chão. E, claro, uma mulher belíssima, que comecei a ajudar tinha ela 15 anos e hoje é uma médica de 28: tem pré-crises de pânico quando precisa de apresentar um paper num congresso.
Em comum, uma reacção química que a presença de humanos lhes provoca. Curioso, a maior parte dos fóbicos sociais que conheço têm imensas competências sociais. São generosos, trabalhadores de equipa, dão-se bem com pessoas. Até ao momento em que se sentem avaliados/observados.
O outro extremo é do actor social. Está tão bem numa feira de presuntos como num salão académico. Se vai apresentar um trabalho numa reunião e não o preparou, representa. Enquanto o fóbico social sente o peso de cada olhar humano, o actor social não vê ninguém.
Existe meio termo? Claro. Este sinceramente vosso, por exemplo, confraterniza com feirantes e cavaqueia com velhotes na peixaria: sabe que tão cedo não os volta a ver.
No fundo, a gestão do espaço, da distância crítica. Este artigo antigo resolve a curiosidade de alguns. Se o fóbico social aprender a ter confiança na distância que interpõe entre si e os outros, melhora. Infelizmente, muitos terapeutas escolhem o caminho inverso :forçam o desgraçado a diminuir essa distância.
quinta-feira, 3 de setembro de 2015
Disease mongering
Os inventores de novas doenças:
"Critics such as Payer and Caplan maintain that the routine human condition—unhappiness, bone thinning, stomach aches and boredom—is increasingly being re-defined as disease: depression in its milder forms, osteoporosis, irritable bowel syndrome and attention deficit disorder. Likewise, risks factors, such as high cholesterol and high blood pressure, are declared diseases in their own right—hyper-cholesterolaemia and hypertension—with falling thresholds resulting in more people considered to be sick. In other cases, drugs approved for devastating illness, such as clinical depression, are indicated for milder conditions, such as shyness, which is now dubbed 'social phobia".
No outro dia pus no twitter um link para um artigo ( enfim...) sobre depressão e ansiedade em ...cães.
"Critics such as Payer and Caplan maintain that the routine human condition—unhappiness, bone thinning, stomach aches and boredom—is increasingly being re-defined as disease: depression in its milder forms, osteoporosis, irritable bowel syndrome and attention deficit disorder. Likewise, risks factors, such as high cholesterol and high blood pressure, are declared diseases in their own right—hyper-cholesterolaemia and hypertension—with falling thresholds resulting in more people considered to be sick. In other cases, drugs approved for devastating illness, such as clinical depression, are indicated for milder conditions, such as shyness, which is now dubbed 'social phobia".
No outro dia pus no twitter um link para um artigo ( enfim...) sobre depressão e ansiedade em ...cães.
domingo, 30 de agosto de 2015
Body talk
A propósito da referência que o leitor faz aos tipos que deixam crescer a pança ( aí em baixo): sou favorável à moda ( já antiga...) do body talk.
Faço, aos 50 anos ( em Dezembro), três séries de dez repetições com 60kg na press de banco e tantas elevações na barra como fazia na tropa com 26. Porquê? Por duas razões:
a) o esforço físico é-me essencial para o bem estar geral.
b) nunca suportei a ideia de um corpo flácido ou asténico.
Os tipos que se deixam engordar ou amolecer são respeitáveis, claro, mas julgo que se esquecem de um detalhe: se o corpo fala, convém que se perceba.
Um leitor, aí em baixo, no penúltimo post:
"Sou técnico de emprego. Atendo semanalmente muitas mulheres que se sentam à minha frente com vontade de repor a vida nos carris.
Gosto de mulheres.
Quando a crise chega – o desemprego, a doença, o que for – eles são os que bazam. E o mais espantoso é que, mais das vezes, uma paixoneta e rabo de saia é mais do que suficiente para legitimar a cobardia e falta de responsabilidades. E se não têm isso, tudo lhes serve para fundamentar o alargar da pança e arrastar de chinelos em calções a mostrar os grafitis e arneis com que reconstroem a identidade.
Elas, que há meia dúzia de anos arrasavam enquanto procuravam emprego “na minha área” no pst-licenciatura, sentam-se agora, de costas direitas, olhando de frente. Bem arranjadas, com roupa que se vê ser do chinês, deixam ver as fotos dos filhotes enquanto puxam pelo cartão de cidadão.
Há na vidas destas pessoas um clique, um passe de mágica, na curva de uma vida que deixa atrás uma felicidade de gangas de marca, madeixas e curtes, e faz ver pela frente uma montanha de Sísifo que enfrentam sem pedantismo nem heroísmo.
Não sei bem de onde é que sacam os créditos de dignidade com que levantam a cabeça.
Não será à “família”, à “escola” ou à televisão. Até pode ser a tudo.
Mas tenho para mim que é aos filhos .
Os filhos são das mães".
Gosto de mulheres.
Quando a crise chega – o desemprego, a doença, o que for – eles são os que bazam. E o mais espantoso é que, mais das vezes, uma paixoneta e rabo de saia é mais do que suficiente para legitimar a cobardia e falta de responsabilidades. E se não têm isso, tudo lhes serve para fundamentar o alargar da pança e arrastar de chinelos em calções a mostrar os grafitis e arneis com que reconstroem a identidade.
Elas, que há meia dúzia de anos arrasavam enquanto procuravam emprego “na minha área” no pst-licenciatura, sentam-se agora, de costas direitas, olhando de frente. Bem arranjadas, com roupa que se vê ser do chinês, deixam ver as fotos dos filhotes enquanto puxam pelo cartão de cidadão.
Há na vidas destas pessoas um clique, um passe de mágica, na curva de uma vida que deixa atrás uma felicidade de gangas de marca, madeixas e curtes, e faz ver pela frente uma montanha de Sísifo que enfrentam sem pedantismo nem heroísmo.
Não sei bem de onde é que sacam os créditos de dignidade com que levantam a cabeça.
Não será à “família”, à “escola” ou à televisão. Até pode ser a tudo.
Mas tenho para mim que é aos filhos .
Os filhos são das mães".
terça-feira, 25 de agosto de 2015
Elas e as rupturas
Muito mais difícil. Há nas mulheres - que acompanhei e acompanho - uma recusa suave da ruptura, que demora, às vezes, mais do que o tempo que a relação durou. Pode ser um acaso, uma coincidência no meu gabinete, mas é um acaso que se repete há vinte anos ( antes trabalhei como psicólogo, mas não fazia psicoterapia, não tinha calo suficiente). Falo de uma faixa etária em média entre os 30 e os 60. São mulheres crescidas, quase sempre com fibra, génio e coragem. O que aumenta o mistério: por que raio não os esquecem?
Na altura em que escrevo isto vejo as caras e os corpos de muitas delas. Muitas horas tensas no gabinete, esquadrinhando as frases, as culpas, os remorsos. Por vezes filhos pelo meio, técnicas sexuais, coisas de dinheiros, até violência. No final, sempre o mesmo: como é que ele me fez isto?
É impossível ter esta profissão e não ir ganhando um respeito imenso por elas. Seguram o centro, ligam a família, trabalham que nem galegas.
Talvez o problema seja , em parte, este: investem tanto neles como no resto. Um erro fatal, como Vasco de Lima Couto explica : só agradeço o que peço / e não o que mereço.
quinta-feira, 20 de agosto de 2015
Cidadelas
Um dos piores indicadores da situação de alguém é o estado da casa. Não me refiro às paredes ou à conservação do soalho. A nossa casa é, tem de ser, o nosso refúgio. Chegar depois de um dia cansativo a uma casa onde de forma permanente nos envolvemos em gritaria virulenta ou em desprezo calculado é tentar um caminho impérvio.
Um antropólogo francês, em moda nos anos 90, Marc Augé, falava da retórica familiar: a nossa casa é onde não temos de dar justificações. Por ex, podemos andar de cuecas. Isto é um dos lados. O outro é o do reconhecimento. Quem connosco vive conhece os nossos ritmos e vice-versa. Isto proporciona, ou devia, uma harmonia razoável.
Bem sei que harmonia familiar é uma expressão que os neuróticos mal-resolvidos e mal-amados têm diabolizado desde os anos 60 a pretexto da liberdade contra a opressão familiar-burguesa. Como o resultado foi um espectacular aumento do consumo de ansiolíticos e antidepressivos, concluo que tanto a asfixiante família tradicional ( que a havia...) como o masturbação narcísica são más cidadelas.
Do que falo aqui é de uma coisa simples, inscrita numa ordem muito antiga: somamos muito mais do que somos individualmente.
segunda-feira, 17 de agosto de 2015
pub
Vão aqui votar.Por enquanto está na página 4.
Precisamos d e 50 votos para poder concorrer.
Podem ver já:https://www.youtube.com/watch?v=aOBJTXs02kE
Precisamos d e 50 votos para poder concorrer.
Podem ver já:https://www.youtube.com/watch?v=aOBJTXs02kE
sábado, 15 de agosto de 2015
Quais férias?
O turismo é o passatempo de ir ver o que se tornou banal, enquanto indivíduos isolados em conjunto: as casa de férias são pseudocolectividades que acompanham o indivíduo isolado na pseudo-comunidade ( Debord). Sim, conhecem todos as teses da coisa espectacular que se auto-consome, mas eu , como sou um rapaz simples, acrescento um ponto.
Como é que alguém saudável entra em modo de férias por exigência do calendário escolar dos filhos ou da organização da empresa ou do serviço? É como se nos dissessem que no mês que vem comeremos bacalhau podre ( é uma receita e muito boa) todos os dias às 17h. Porquê? Porque sim.
Não é assim estranha a neura de férias, muitas vezes confundida nas publicações de tarot ( revista do Expresso ou do Público por ex) com o a neura do regresso ao trabalho. O problema não é voltar, é ter ido.
sexta-feira, 14 de agosto de 2015
domingo, 5 de julho de 2015
Férias/interrupção
Regresso em meados de Agosto, os que não estiverem na praia serão bem acolhidos aqui.
terça-feira, 30 de junho de 2015
Terapia alternativa ( 8)
"Quando sinto o grande desejo de ser atleta, provavelmente é como se desejasse chegar ao céu e poder ser aí tão infeliz como sou aqui".
( Kafka, Diários, 16.X, 1921)
( Kafka, Diários, 16.X, 1921)
Do controlo (1)
Poucas coisas na terapia me dão mais trabalho do que o manejo do controlo na. Há gente obcecada por ele, há gente incapaz de o exercer; há gente que o confunde com um queijo, há gente descontrolada por prazer; há gente que toma medicação para o ter, há gente que toma medicação para lhe escapar.
Tento sempre partir da base: o autocontrolo ou, melhor, o autodomínio. Se não formos capazes de conter as emoções ou de as exprimir bem, de refrear a agressividade ou de a soltar quando necessário, de decidir friamente sem congelar a decisão, enfim, se não conseguimos ser senhores do nosso pobre castelo, então não vale apena preocuparmo-nos com os castelos dos outros.
(cont.)
(cont.)
quinta-feira, 25 de junho de 2015
Peau de chagrin
A simplicidade de que falamos é esta provocação que Rafael faz ao químico Japhet. As coisas importantes são mesmo muito simples:
Uma vida inteira de sofrimento e autocomiseração, milhares de horas de conversas, centenas de consultas, dezenas de internamentos e no fim um simples segundo numa corda ou numa linha de comboio.
Dias e horas de explicações, análises e argumentos quando basta ver a fotografia da tipa: vinte anos mais nova do que a legítima.
Reuniões, críticas, justificações, históricos diversos, dialécticas. O livro de cheques explica: o outro lado paga mais um milhão.
terça-feira, 23 de junho de 2015
Materialismo histórico-sexual
Estou sempre com Tertuliano : basta no sentir e no olhar. O resto é coincidências, factores aleatórios, contabilidade, política, diplomacia, traços e feitios. Da casada muito compostinha, que não consegue esconder o frisson diante do antigo colega, ao moralista, a quem a andropausa faz descobrir coisas de filmes, o efeito de palco é devastador: tudo pode ou não acontecer.
As mezinhas terapêuticas, como as do artigo, explicativas ou até preventivas ( também as há) fazem as pessoas acreditar no espiritismo. O materialismo histórico leva, desta vez, a palma: não é a nossa consciência que determina o comportamento sexual, é a variedade social deste que define aquela. De certa forma, somos o que podemos ser. Os totós tratam o concreto ( o affair) como um tumor quando ele é a cura.
segunda-feira, 22 de junho de 2015
Do que se perde
Cada vez mais me interesso mais pelo rogue, pela solitária, pelo que diz à manada para ir dar uma curva; pelo que se marimba para o leite sem lactose e para o sushi, pela que nem faz ideia do que é o facebook; pelo que não discute marcas de gin e pela que fuma sem vergonha.
O pior da manada são os elementos que pretendem não lhe pertencer. São as que fazem plásticas ou emagrecem por motivos de saúde, são os que não imaginam a andropausa sem uma moto ou uma tatiana marisa a gemer-lhes o jovens que ainda são.
Se a vida é um mal digno de ser gozado, a manada é uma vantagem a desperdiçar.
sábado, 20 de junho de 2015
Terapia alternativa ( 7)
"Existência dentro de um tanque. Se moramos lá dentro somos estúpidos e inacessíveis, caímos em todos os fossos, saltamos por cima de todo os obstáculos, revolvemos a porcaria e profanamos a terra.
Só quando estamos assim sujos somos invencíveis".
(W.Benjamin, Imagens de pensamento, 1925-1935)
quinta-feira, 18 de junho de 2015
A continuação da terapia com outros meios
Sim, com outros meios. Muito curioso pelo período napeolónico e pela queda dos Habsburgos, comecei a interessar-me por Clausewitz já tarde ( pouco antes dos 40). O homem nunca escreveu que a guerra é a continuação da política por outros meios, mas com outros meios. Faz toda a diferença.
Desde 2012 que invisto cerca de três horas diárias no acompanhamento de pessoas via email ( ocasionalmente noutros suportes). São pessoas que já conheço e tenho em terapia/seguimento, como é óbvio. Três benefícios imediatos:
1) Oferecer à pessoa a segurança de não estar sozinha, numa altura difícil, qualquer que seja a hora ou o dia.
2) Numa fase inicial, poupar tempo e dinheiro porque muita informação pode ser recolhida entre sessões .
3) Preparar as sessões, libertá-las dos pequenos casos do dia, centrar a atenção no trabalho essencial.
Para além de tudo isto, o pensamento escrito honra a matriz terapêutica. Liberta a pessoa da ditadura do gabinete, dá-lhe a possibilidade de debater em pé de igualdade com o terapeuta ( no meu caso nem era necessário...).
terça-feira, 16 de junho de 2015
O self no coração ou no cérebro: bananas...
A imagem é retirada deste estudo. Uma bela treta.
Com a experiência que tenho de todos estes anos ( a minha única vantagem) a ver as vidas das pessoas desenrolarem-se à minha frente, não tenho dúvida nenhuma de que as pessoas mais felizes ( enfim...) foram as que decidiram emocionalmente. Falta explicar o que isso é...
Os histéricos, sobretudo os ultra-narcisistas, parecem muito emocionais, mas são os filhos da mãe mais frios e racionais que conheço: sugam os outros até que todos à sua volta sejam tão miseráveis como eles. Por outro lado, tipos que tomam decisões ponderadas dão ares de iceberg, mas muitas vezes notei que essa ponderação levou em conta os interesses e desejos de terceiros. O estudo lá refere a interdependência. Significa pouco porque até o histérico é interdependente.
Gente que dá, que se dá, que entrega o muito ou o pouco que tem ( tempo, dinheiro, paz, silêncio), não é gente necessariamente boazinha. É gente que pressente no laço humano mais do que o pasto para a autosatisfação permanente, porque é gente que captou uma lei de bronze: se os outros estiverem melhor, eu fico melhor. Então digam lá: foi com o coração ou com a cabeça?
Credit: thinkstockphotos.com/Rice University
Credit: thinkstockphotos.com/Rice University
Credit: thinkstockphotos.com/Rice University
segunda-feira, 15 de junho de 2015
Democracia na terapia
O espaço terapêutico, como o entendo, é radicularmente democrático. De raiz e de demo, que não quer dizer povo mas lugar onde se nasce/vive. A democracia foi feita contra a monarquia, levando ao recenseamento dos que viviam em Atenas ( e no resto da Ática), para garantir que a linhagem mais forte não dominasse a cidade. Na terapia existem dois demos: o meu e o do outro.
Ambos assumem igual importância no desenrolar dos trabalhos. Distancio-me assim da figura demiúrgica. Seja a do psicanalista armado do seu mambo-jambo palavroso, seja a do psiquiatra e da sua colecção de amuletos e beberagens. Só entendo a terapia num quadro de igualdade, se quiserem, de isocracia : igual acesso ao poder de transformar o estado de coisas.
Não sigo nenhuma escola holística de como deve ser a saúde mental e emocional, não aplico métodos universais. O respeito por quem tenho diante de mim, e pela sua fala, implica uma adaptação a cada caso.
A minha responsabilidade é batida na experiência de muitos anos com a intimidade dos humanos. É esse o meu trabalho: colocar à disposiçao de quem tenho de ajudar uma parafernália de problemas e soluções imperfeitas. Examiná-las, debater com a pessoa o caminho do bosque.
domingo, 14 de junho de 2015
Terapia alternativa ( 6)
"Não me sinto bem. Como se tudo o que alguma vez possui me tivesse escapado e como se nunca me pudesse satisfazer ainda que me fosse devolvido"
( Kafka, Diários, 16.II, 1915)
( Kafka, Diários, 16.II, 1915)
quinta-feira, 11 de junho de 2015
Nem pensar
Dizia-me no outro dia uma mulher, que já ajudo ( enfim...) há muito tempo: "não vale a pena apaixonar-me, só colecciono desilusões".
É tão banal como certíssimo. A excitação só pode ter como alívio o fim.
Terapia alternativa ( 5)
"Ódio à introspecção activa. Interpretações como: Ontem senti-me assim por esta razão, hoje sinto-me assim por aquela razão. Não é verdade, não por esta razão e não por aquela razão e logo também assim e assim. Suportar a vida tranquilamente, não cair em precipitações, viver como se tem de viver, não correr às voltas como um cão".
(Kafka, Diários 9.XII, 1913)
quarta-feira, 10 de junho de 2015
Duas estóicas em carne e osso
Não tenho culpa da redução popular do estoicismo à resistência e à abnegação: é um disparate abominável. Hoje trago-vos dois casos reais de pessoas que seguem uma velha regra de Crísipo: o prazer não é um salário, o amor e a honestidade só existem se desinteressados. São duas mulheres que tenho em terapia/ seguimento e em comum só o facto de serem louras e elegantes:
P. trabalha na banca, tem 32 anos, benfiquista, aguarda há muito tempo ( uma eternidade, vocês nem acreditariam se vos contasse) que o seu amor decida entre ela e outra. Enquanto espera não cede um milímetro ao que entende dever ser a vida, mas dá o corpo todo de cada vez que ele a procura. Não esconde o que quer, não se importa com o que não recebe.
M.J. 42 anos, é cientista e substitui Dâmocles no banquete de Dioníso-o-Velho em Siracusa. Tem um corpo biónico em virtude do avanço da técnica e de uma doença, embora só o olhar traia por vezes a condição. Trata a fragilidade como um cão danado, aproveita todas as migalhas, guarda as fatias saborosas para quem precisa delas. A espada pende sobre a sua cabeça, mas calcula a distância e vive sem pedir comiseração.
Terapia alternativa ( 4)
"Não desesperes, não desesperes nem mesmo por não desesperares. Quando tudo parece ter chegado ao fim, novas forças avançam e isso mostra que estás vivo. Se não avançarem, então tudo chegou ao fim, mas desta vez para sempre".
( Kafka, Diários, 21.VII, 1913)
segunda-feira, 8 de junho de 2015
Estoicismo, notas; continuação
Uma discussão interessante é feita por Cícero no Tratado do Destino ( IX,17). Convida Diodoro, Epicuro e Crísipo: Tudo o que acontece teve de acontecer. As proposiçoes sobre o futuro são tão verdadeiras como as sobre o passado, ainda que nestas a impossibilidade de as modificar sejam aparentes. Já sobre o futuro essa aparência não é tão evidente.
Isto é um dos eixos do estoicismo. Tudo o que aconteceu teve de acontecer representa o aceitar da vida no que ela configura de pobre luto pela nossa omnipotência. A nota sobre a diferença entre o passado e o futuro é deliciosa. Aparentemente podemos modificar a representação do nosso passado ( a culpa foi de X, não mereci Y, Z afinal foi bom). Já quanto ao futuro essa nossa tendência para o falsificar é outro osso.
Muita da angústia que por aí grassa advém desta continuidade da falsificação. Como reorganizamos o passado de acordo com as conveniências do presente, imaginamos que o futuro pode ser igualmente arquitectado. Uma leve suspeita, porém, nos incomoda. Se renegamos o passado para melhor o poder suportar, tememos, claro, que as proposições que enunciamos sobre o futuro ( ambições, desejos, grandes sucessos) também não sejam uma maravilha de solidez.
Não é de admirar a angústia permanente, o reexaminar sucessivo e gaguejante do caminho que nos aguarda. E isto tudo enquanto desperdiçamos vida.
quinta-feira, 4 de junho de 2015
Ponto de ordem: estoicismo e epicurismo nos tempos de hoje
Ao longo do tempo, muitos leitores/participantes têm mostrado o seu saudável cepticismo diante da linha estóico-epicurista ( escolas até historicamente adversárias) deste blogue. Compreendem que para os desconhecedores não posso aqui deixar fichas de leituras de Séneca, Zenão de Tarso, Epicuro, Epicteto, Horácio, Montaigne, Petrarca ( cripto), Lucrécio etc. Os já iniciados também entendem que não posso abandonar o tom psicoterapêutico e mergulhar na filosofia sem luvas. Ainda assim, uma nota sobre dois aspectos : o não desejar nada e o tempo como ciclo finito e sucessivo.
Não desejar nada não significa não gostar de comer umas petingas amanhã nem a pele da que dorme ao nosso lado. Esses desejos são razoavelmente encaixados, tanto no que está ao nosso alcance como no horizonte temporal. Muito diferentes são os desejos de fama, riqueza, filhos geniais, beleza, saúde.
Isto entronca na perceção do nosso lugar no mundo. O que existe, o que está, é brutal. Não tem preço. Trocá-lo ou desprezá-lo, em função de coisas que queremos, leva muitas vezes ao desperdício da vida. E isso, posso eu garantir-vos, tenho visto muito ao longo de vinte e tal anos de trabalho.
Não se trata de ficar insensível ao que nos acontece, como disse um leitor. Basta ser benfiquista para isso ser impossível. Antes pelo contrário, trata-se de respeitarmos a vida de tal forma que não desperdiçamos nada, ainda que isso nos obrigue a escolhas suspeitas.
Não se trata de ficar insensível ao que nos acontece, como disse um leitor. Basta ser benfiquista para isso ser impossível. Antes pelo contrário, trata-se de respeitarmos a vida de tal forma que não desperdiçamos nada, ainda que isso nos obrigue a escolhas suspeitas.
terça-feira, 2 de junho de 2015
Manual de sobrevivência ( 40)
Você só me vem com filosofias complicadas e análises. Quero directrizes, coisas práticas. O que tenho de fazer para deixar esta porcaria de vida?
Morrer. É prático.
Em alternativa, deixar de desejar. Também é prático. Pois, pois, bem sei... há sempre um homem, um lugar na administração, um par de sapatos. Apesar de tudo, é possível. Desejar é uma roleta. Ganhemos ou percamos, queremos sempre mais. Se a vida nos corre bem, o jogo é inofensivo, mas se a vida está má o jogo é letal.
Não desejes nada. Tudo que conseguires é inesperado e surpreendente. Aprenderás então a dar-lhe o justo valor.
segunda-feira, 1 de junho de 2015
Manual de sobrevivência ( 39)
Tenho de ter sempre razão. Percebe... nas discussões e assim. Isto às vezes é cansativo, mas fico desconsolada se não acontece.
Percebo a necessidade, é normal, mas interessa-me esse desconsolo.
Não ter razão sobre uma coisa implica apenas a coisa. Ou porque não a sabíamos ou porque dela estávamos distraídos. As coisas não sofrem, logo não se desconsolam.
Ora bem, apesar disto tu ficas desconsolada. É curioso, é como se tu fosses as coisas sobre as quais discutes. É como se tomasses as dores de uma data, do nome de um autor, de um número. É desconsolante.
quinta-feira, 28 de maio de 2015
Manual de sobrevivência ( 38)
Por que raio temos de ir ao cemitério? Só vou por causa do falatório no lugar. Por mim nunca mais lá punha os pés. Gostava dela, mas tudo passou, quero seguir com a minha vida.
O Popol-Vuh descrevia o Xibalba como um lugar terrível comandado por doze deuses. Era onde os mortos não descansavam, atormentados por julgamentos, testes etc. Nós decidimos o contrário.
Os vivos julgam-te, mas a morta perdoa-te. Seja como for, ainda bem que não a cremaste.
quarta-feira, 27 de maio de 2015
Manual de sobrevivência ( 37)
Tenho de ter sempre o controlo das coisas. Caso contrário fico insegura. O problema é que as coisas estão difíceis, o controlo é impossível. Estou a começar a sentir-me desesperada.
As coisas rolam com alegre indiferença pelas nossas necessidades. Tens de examinar a fonte dessa sede de controlo, porque arriscas-te a fazer a espargata nas rectas paralelas de Plutarco e o infinito ( onde elas se encontram) é capaz de demorar.
Repara, a vontade de algum controlo é natural. Por exemplo, a hora de deitar, o tipo de escova de dentes, a marca de sumos que bebes. Já a passagem do tempo pelo corpo, o curso que o teu filho vai escolher e o dinheiro que ganhas são bolachas de uma lata que não é só tua. A medida é o alvo.
Quando as coisas ficam difíceis, experimenta substituir o controlo pela cabeça fria. Ou seja, deita fora tudo que não é vital: o que sobrar é a tua cidadela. A escolha é feita deixando de lado o que não podes...controlar.
terça-feira, 26 de maio de 2015
segunda-feira, 25 de maio de 2015
domingo, 24 de maio de 2015
Manual de sobrevivência ( 36)
Não confio em ninguém. É horrível, mas é a verdade.
A verdade é horrível? Parabéns. Se fores ao Carlos de Oliveira ( em alguns aspectos das descrições femininas, o nosso Bioy Casares) descobres como Capula ficou sem fala quando Glória lhe disse que ia ter um filho dele, mas depois caminhou alegre sob a chuvada grossa.
Quanto à confiança, isso é outro pirilampo. Deixando de lado as parlapatices psicoanalíticas sobre a ferida narcísica e o defeito fundamental, talvez seja um problema de interpretação.
Se não confias em ninguém, não confias em ti: é óbvio. Por que carga de água os outros haveriam de te mudar a fralda?
Nova configuração
Os leitores passarão a dispor de um email para que possam abordar aspectos que não queiram ver publicados na caixa de comentários. A conversa passará a ser noutros moldes.
Julgo que assim o blogue adquire mais flexibilidade e cumpre melhor.
Julgo que assim o blogue adquire mais flexibilidade e cumpre melhor.
quarta-feira, 20 de maio de 2015
terça-feira, 19 de maio de 2015
Manual de sobrevivência ( 35)
Sinto-me desinteressada das coisas boas. Já não me dão prazer, acho-as enfadonhas. Culpo-me disto, é verdade, mas não posso evitar.
Ele há coisas mais fáceis de resolver. Julga-se que são as grandes tragédias as mais difíceis de arrumar, mas não é assim. Estas resolvem-se por si: ou cais ou segue sem frente. Já a fadiga de Cápua implica uma actualização permanente.
Uma linha para explorares, recomendação do meu amigo Epicteto ( Encheiridion, LIV): os prazeres mais repetidos são os que raramente nos proporcionam a maior satisfação.
segunda-feira, 18 de maio de 2015
Manual de sobrevivência ( 34)
É muito mau antecipar o prazer? Quero dizer, em ficarmos alegres antes da coisas acontecerem?
Nenhuma disposição nossa afecta o curso dos acontecimentos nos quais não participamos, mas que nos podem beneficiar. Se fores entregar o euromilhões convencido de que vais ganhar, isso não interfere no sorteio.
Calculo, no entanto, que te referes ao perigo da desilusão. Se o remédio fosse esperar o pior, os casamentos no altar seriam muito divertidos. Já em alguns funerais valeria a pena filmar a cara das pessoas quando o morto ressuscitasse.
sábado, 16 de maio de 2015
Manual de sobrevivência ( 33)
Como posso ter a certeza de que é que com ela que quero ficar/ Por que razão me abandonou ele de repente?
Julgo que a vida é literatura no sentido em que tudo pode ser inventado sem servir para nada. Desse modo, as interrogações sobre as nossas certezas valem o que lhes queremos oferecer. Fiquem com um pedacinho do discurso que Valery fez, em Julho de 1927, quando foi eleito para Academia francesa ( substituiu Anatole France):
Entre les amateurs d’une beauté qui n’offrait pas de résistance et les
amants de celle qui exige d’être conquise, entre ceux qui tenaient la
littérature pour un art d’agrément immédiat, et ceux qui poursuivaient
sur toute chose une expression exquise et extrême de leur âme et du
monde, obtenue à tout prix, il se creusa une sorte d’abîme
sexta-feira, 15 de maio de 2015
Manual de sobrevivência ( 32)
A depressão é diferente da tristeza, dizem vocês. Para mim é igual: o meu corpo não me obedece, não encontrei o amor, não espero nada. Vou vivendo.
Se o teu corpo te tivesse sempre obedecido, terias nascido para este mundo cão?
Sobre o amor, dou-te Anna Langfus. Torturada pela Gestapo, assiste à execução do marido e morre de enfarte aos 46 anos. Dizia ela que não podemos usar palavras humanas para descrever uma realidade que não está à altura dos homens.
Sobre o amor, dou-te Anna Langfus. Torturada pela Gestapo, assiste à execução do marido e morre de enfarte aos 46 anos. Dizia ela que não podemos usar palavras humanas para descrever uma realidade que não está à altura dos homens.
Não percebes? O amor não é para ser encontrado, é para ser perdido.
quarta-feira, 13 de maio de 2015
Manual de sobrevivência ( 31)
É um problema, sinto-me angustiada. Ele quer fazer na cama as fantasias todas, com, digamos, adereços, e isso faz com que eu me aborreça, parece que estou num filme.
É bem verdade, uma infecção essa: a indústria chegou ao sexo. Os escravos do taylorismo sexual desconhecem o this kiss, the forerunner of the most delicious pleasure, como escreveu Casanova ( cap IX), depois de dar um, muito especial, à marquesa enquanto o cardeal dormia a sesta.
Ensina-o com paciência, mas com firmeza, já que ele só fez a telescola. Para reforçar a aula, convida uma amiga e certifica-te de que ele assiste bem sentado e com atenção.
Subscrever:
Mensagens (Atom)