email para contactos:
depressaocolectiva@gmail.com

domingo, 13 de dezembro de 2015

50 anos: Viva la muerte!

Cumpro hoje, roubando ao falangista Millan Astray a suposta* imprecação soltada em oposição ao discurso fabuloso de Unamuno em Salamanca:  "Viva la muerte!"
Descansem  que não sou o meu próprio assunto,  nem vos maço com  os detalhes de um dia que começou com  a porta da garagem  a cair-me em cima do carro.  Apenas para puxar  a brasa à sardinha aqui do DC: se estás vivo, até da morte ris.

* Foi Serrano Suñer ( já uma vez trouxe aos blogues a sua biografia) que garantiu a legitimidade da frase, mas Suñer não estava na  universidade de Salamanca nesse dia. Pernán, autor do  hino falangista, amenizou , dizendo que foi "morram os intelectuais traidores". Sea lo que sea.

sábado, 12 de dezembro de 2015

Seguradora Love & Cª

Mulheres. Entre os vinte e os sessenta. Problema: o assumir, por parte deles,  da relação ou o continuar da relação, casamento, união de facto, o que seja. Restinga: as garantias.
Apesar de já andar nesta vida - de psicoterapeuta, ou de mecânico de pessoas, como certa pessoa, generosamente, me alcunhou -   há muito tempo, ainda me espanto. Elas querem um seguro, com garantias e franquias, de tipos que lhes mostram, com panache, que não estão para aí virados. Por que insistem? Ah...., sim, o amor.
A linha desenha-se com finura. Há amor, mas tem de haver solidez, compromisso, segurança. Então que diabo: se o amor é mais importante, a única coisa que conta   e etc, para que raio deitam tudo a perder com as cláusulas?
Uma possível resposta encontra-se num amável logro que décenios de política feminista não conseguiram ainda neutralizar ( o Bukharin dizia serem necessárias dezenas de  gerações para eliminar o conceito  de propriedade privada): o amor é uma projecção.
Daí  a seguradora. Quando fazemos o empréstimo para habitação, a seguradora projecta no tempo do empréstimo a nossa esperança  de vida. Se temos  diabetes e já somos maduros, a prestação  é alta e aumenta  a cada ano, se somos novos e como pouca  cheta, a seguradora protege-se e não bufamos.
Pois nessa coisa do amor, as seguradoras são elas. Animem-se , portanto, as mulheres: se eles não pagarem, leia-se assumirem , adeuzinho e boa sorte. Ou conhecem seguradoras boazinhas?

terça-feira, 8 de dezembro de 2015

Correio sentimental


"Estamos  juntos há muitos anos, ela é muito discreta, a cama é muito boa,  mas um grande amigo meu disse-me que  um amigo dele ( de quem ela fala, de facto) se gabou que só não come  a minha mulher porque não quer. Ela é, portanto, uma cabra sonsa. Como é isto possivel? O que devo fazer?"

R: Querido, tudo é possível. Se retiramos o impossível, o que ficar, por mais inverosímil que  seja, é a verdade. Assim ensinava o Conan Doyle. Calculo que o tempo faz o seu desgaste, por isso aconselho-o a aproveitar melhor o seu. Tem facebook ou uma cana de pesca?


"Ele só me quer lá em casa dia sim, dia não. Já chegámos a viver juntos, mas agora estamos nisto. Ora troca mensagens  carinhosas comigo, ora está uma semana sem atender o telemóvel. Não aguento mais , não sei viver assim, só me apetece fugir, dormir sem fim".


R: A emancipação  feminina libertou também os homens. Já não precisam de uma empregada em casa e o madonna-whore  complex passou à História. Agora só querem whores.
Sugiro um convento. Ou o facebook.


sexta-feira, 4 de dezembro de 2015

Ao trabalho: pequena nota sobre as contradições


Caridad Mercader,  comunista  e   mãe do assassino de Trotsky,   salvou da morte  imediata, em Julho de 1936,  o general Goded. Local:  Barcelona, no dealbar da guerra civil. O general fez depois uma declaração na rádio libertando os seus seguidores de quaisquer obrigações.  Acabou por ser fuzilado pelos republicanos  em Agosto.  Duas contradições? Aparentemente.
As contradições ( as dissonâncias cognitivas, na lalangue técnica) são adoráveis e uma das dimensões axiais da natureza humana. Nunca  viram uma leoa perseguir uma zebra, derrubá-la e depois resolver não a comer, pois não?
A contradição  é capaz, por exemplo, de  derrotar  o instinto ou uma das suas traduções  culturais , o fanatismo.  Nos triangulos amorosos, quem quiser  um resumo no audiovisual tem este  belíssimo filme: revejo-o sempre que posso.



quarta-feira, 2 de dezembro de 2015

20 anos de gabinete: da miséria sexual

Uma coisa é o embrulho: sexo na publicidade, no lixo-tv, nas conversas-rádio, no abastardamento do pobre Masoch ( está aqui , é gratuito)  etc. Outra coisa é o que se passa. Só posso dar conta do que ouço, semana após semana, ano após ano. E é mau. Como psicólogo levo mais, mas  como psicoterapeuta  levo vinte anos de gabinete ( atingi anteontem a marca) e o registo da miséria sexual é estelífero. Exemplos:

Mulheres belíssimas cujos companheiros  despacham na cama sem a menor consideração pela anatomia feminina, são muitas. Eles não exploram, não estudam, ( o porno vende mulheres sempre prontas, é uma estucha) não falam.  Por que não lhe explica o que quer? Tenho vergonha. Talvez, mas o que  impressiona nestes casos é o desperdício.

Uma operária de trinta e picos, de quem gosto muito e já conheço  faz tempo,   contou-me  certa vez que o marido sofria de ejaculação precoce. Ela queria um orgasmo como as outras. Então e ele não se trata? Ele diz que não tem problema nenhum, por ele está satisfeito.  Oh boy, se alguma vez um par de chavelhos assentou bem foi a esse cromo. Ainda consegui uma sessão de casal e o tipo, envergonhado , lá prometeu  resolver  a coisa. Até hoje e ela lá continua, fiel e verdadeira.

Nos casais de meia idade à moda antiga, noto uma evolução tremenda nelas. Querem mais e perderam a vergonha.  Eles ainda continuam a falar em cumprir a obrigação. Notável dissonância.

Mulheres novas e solteiras, desinteressadas e desiludidas com o truca-truca. Umas porque acham que os rapazes mordernaços só as usam para isso, outras porque só o querem numa relação a sério. Em comum, o suspeito do costume: o compromisso.

Um anacronismo, exemplificado num episódio que uma amiga  aqui do DC me contou um dia. Estava ela numa roda de bar, homens e mulheres, trintões, e um começou a falar picante com ela. Ela, desinibida, respondeu à letra: o tipo recolheu à base. As aulas de cozinha,  a depilação   e os hidrantantes masculinos ainda  não conseguiram libertar os homens do jogo do lencinho.

terça-feira, 1 de dezembro de 2015

O excruciante problema da antecipação


" O meu mal é que antecipo muito as coisas" também é das frases no top ten do meu gabinete. Deixemos a canga da obsessão grave, da cisma anancástica : um termo que caiu em desuso, ainda tenho fichas antigas de doentes  dos anos  60,  feitas pelo meu pai, com essa palavra.  Olhemos para a coisa nas personalidades  comuns.
Antecipamos tanto as coisas boas como as más. O problema é que  antecipação do bom não nos provoca angústia. Antecipar o mau , numa justa medida, pode ser bom: prepara-nos. Numa medida desmesurada imobiliza-nos. Então por que o fazemos?
Uma resposta pode estar no passado. Pessoas que já viveram situações terríveis tendem a familiarizar-se melhor com potenciais incómodos. São os realistas depressivos. O real é o produto do nosso olhar,  que, inevitavelmente, não se consegue desviar.  Resta-te viver.
O grande, o maior, diz isto muito melhor do que eu:

It is possible, possible, possible. It must
Be possible. It must be that in time
The real will from its crude compoundings come.



terça-feira, 24 de novembro de 2015

Rir, sorrir

Ultrapassando os devaneios freudianos ( 1905  e 1927) e os pós-freudianos ( milhares)  sobre a diferença entre a  piada ( chiste/witz) e o humor, carregados de energia, pulsões, superegos e outras carambolas. O riso e o sorriso, a intersecção entre eles, interessam-me mais. São poderosos afrodisíacos, são excelentes anqueos das relações. Excluo, óbvio, as manifestações nervosas ou dementes.
Os fanáticos - comunistas, nazis , fascistas ou jihadistas - odiavam/odeiam o humor.  É natural: é profundamente humano. Zoschenko é descrito pelo grande Vilhena como fino psicólogo.  Coitado,  tinha  sucesso e era querido até ao decreto  Zhdanov,  de 1946, que estipulou que toda  a arte tinha  de ser conforme à linha do Partido ( ainda há patos que julgam ser possível falar de arte soviética). O conto Despertadores é fabuloso: um homem guia-se pelo sol num dia ensolarado mas é acusado de chegar tarde à fábrica, porque o relógio atómico soviético  contraria  ...o sol.
Rir  e sorrir são afrodisíacos porque existem sempre  nas relações , ou momentos, em que o desejo está vivíssimo. Ou seja, não são nenhuma receita milagrosa ( não existem afrodisíacos), apenas pertencem, por direito, ao  prazer.

sexta-feira, 20 de novembro de 2015

Decisões, indecisões...

"Prefiro  que todas as igrejas  de Espanha sejam incendiadas a que um só republicano seja incomodado". Manuel Azaña, nas vésperas da guerra civil espanhola, não era um exemplo de indecisão? Falar é fácil.
O processo de decisão é das coisas mais reveladoras do estado emocional  do sujeito. Não tanto da personalidade porque a mesma pessoa pode apresentar em pouco tempo modos diferentes de decidir.Tratemos da indecisão.
Há meia dúzia de anos, uma mulher, trintona  e jeitosa, entrou-me no gabinete a esconder  o que queria contar.  Vivia enterrada numa aldeia beirã, era casada com um desleixado e tinha um café. O cliché foi inevitável. Tomou-se de amores por um vendedor que a tirava daquele buraco e  a aproximava do mundo das novelas e das revistas. O problema é que o problema arrastou-se no tempo e ela não conseguia decidir : acabar com tudo ou contar ao marido? A primeira significaria ficar sem a luz da sua vida miserável, a segunda o reconhecimento de que não tinha força para enfrentar o marido, a família e  aldeia. Um dia chega e diz-me que o marido morreu. 
A mulher nunca chegou a decidir, mas nem assim descansou. As decisões têm um lado de troféu, são o produto de um trabalho  em que nos envolvemos. A indecisão prolongada  revela, da minha experiência, um desconforto do sujeito: não com o resultado da opção mas com ele próprio.

segunda-feira, 16 de novembro de 2015

A propósito de sociopatas parisienses:

A Rita, nos comentários ao  post anterior

"a falta de clareza não era acerca dos sociopatas e das suas conhecidas experiências, mas sim a relação que coloca entre o desejo e antidesejo, que não percebi patavina".

Odiar alguém e amar alguém  são categorias lexicais  do  desejo: desejar o mal do outro / desejar o outro. Também têm em comum a formalidade  do processo, a  encadernação, e, por vezes,  a sentença final: já não te /me desejo/as.
O problema, e agora acrescento, é que usei a  expressão antidesejo como  uma declaração política:  considero que desejar o mal do outro  não chega  bem a ser um desejo. Daí o prefixo.
Blanchot dizia que o desejo é a distância tornada sensível. É a melhor de todas. Implica a capacidade de sentir a pele do outro mesmo que  a mil quilómetros e a  mil interditos de distância . Os nazis, como os sociopatas jihadistas ( estou a falar dos indíviduos, não do movimento),  eram incapazes de estar um dia sem tocar nos judeus, ciganos, homossexuais. Antidesejo: a proximidade tornada insuportável.




domingo, 15 de novembro de 2015

Antidesejo

Em 1942, 50% ( 38.000)  dos médicos alemães estavam inscritos no partido nazi. Os  médicos do Instituto  para Pesquisa  em Psicologia e Psicoterapia  de Berlim acreditavam  na cura  dos homossexuais. Em Buchewald,  Carl Vaernet e  Gerhard Schiedlausky  castravam e  injectavam hormonas masculinas nos homossexuais  presos  ( usavam um triângulo cor de rosa)  sob  o artigo nº175 do código penal  ( fonte).

O antidesejo é muito parecido com o desejo. Se estivermos excessivamente ligados a uma pessoa, conseguimos imaginar uma droga que nos liberte. A diferença para os sociopatas nazis é que não sabemos para que serviria.


Mudar, separar, ligar

O  que nos muda?  Este da foto, uma vez velhote,  continua  a juntar-se de vez em quando  à manada de origem quando as pernas lho permitem. O  resto dos dias passa-os sozinho

Não me refiro estritamente às imposições - velhice, doença, reforma -, mas ao que depende da interpretação do que nos acontece. Falo, portanto, de uma  acção da vontade.
Amadurecer significa separar de forma mais nítida, ligar de forma mais intíma, explicou Hoffmansthal, que almoçava cá em baixo   enquanto o  filho se matava no andar de cima.  Isto pressupõe o  tal exercício de criatividade. Se ficarmos apenas diante do que  nos  acontece, resta-nos a amputação ou fuga.

Separar de forma mais nítida. Implica, por exemplo, aceitar que é mais orgulho do que  tristeza o que nos mói quando alguém nos trai.
Ligar de forma mais intíma  passa por descobrir que temos memórias de quem gostamos que alimentam tanto  o  desejo como o presente.

quarta-feira, 11 de novembro de 2015

Padrões


 Se seguíssemos grandes felinos, distinguiríamos uma leoa adulta  de um macho jovem junto de uma poça de urina: sendo a pug mark quase igual, a distância entre as patas traseiras é sempre maior na fêmea. No veld fóbico e/ou obsessivo, encontrar os traços, as diferenças, aquilo que distingue.

Na diminuição  obsessiva, puxar o filme atrás: não para desvarios psicanalíticos, antes  para encontrar  a altura da vida em que  a pessoa perdeu confiança. Uma mudança de escola, a doença da mãe, um corpo disforme na altura X.

Na locomotiva fóbica, não tanto o passado mas o catalizador da crise de pânico. É preciso trabalho de detective igual ao anterior, mas mais aborrecido: esquadrinhar o quotidiano,  repetir o exercício infinitamente. A certa altura ele começa a tomar forma, mas nunca como imaginámos. Pode ser um pensamento obsessivo ( daí   a mistura), uma determinada hora do dia, a sensação de fome etc.

O padrão importa porque é a partir da sua identificação que podemos ajudar a pessoa a destruir a ideia de inevitabilidade, de  impotência diante do distúrbio. Começa o fim do irracional.

sexta-feira, 6 de novembro de 2015

Pequeno guia para homens casados não perplexos diante delas

Parafraseando Maimônides. Aqui vai:

1)  O sexo começa de manhã. Por isso talvez seja bom  não berrar com ela todo dia e esperar quentura toda a noite.

2)  Se lhe perguntares o que ela está a pensar, ouvirás apenas o que queres; se lhe pedires  uma opinião, ela dirá o que lhe apetece.

3) Reconhecer a superioridade de seres que pensam em mil coisas ao mesmo tempo. Estamos para elas como um boi está para um  cão-guia.

4) Elas só  têm duas posições políticas na casa: mudar a casa ou mudar de casa. Cautela, portanto, com as sugestões.

5) Para elas, falar é comunicar. Para nós, é perder tempo.  Assim começam grandes enganos e pequenas traições.


terça-feira, 3 de novembro de 2015

Ao trabalho: autoanálise


Não da minha vida, credo, mas da técnica. Estando no auge das minhas capacidades como psicoterapeuta, onde tenho falhado mais e onde tenho tido mais sucesso?

1) Falhas:

- Melhorar a conclusão das sessões. As pessoas gostam de mapas. Não podemos elogiar  um restaurante e depois dizer-lhes que fica ali na Beira Alta.

- Tolerar mais a incapacidade masculina de organizar as ideias. Felizmente tenho poucos homens em terapia, mas merecem um esforço.

2) Sucesso:

- O estilo.  Tem funcionado  muito bem. Se  as pessoas quisessem gatinhos e flores,  ficavam no facebook.

-  O acompanhamento  por email. Significa  ( muito) mais trabalho, mas cumpre uma velha regra: neste negócio a dedicação é exclusiva.

domingo, 1 de novembro de 2015

Ao trabalho: elogio do cinismo ( escola...)


Um bocadinho de teoria, hoje tem de ser.

 A página tantas, Cícero ( Tusculanas, V: XXIX) discute a posição dos peripatéticos sobre a dor em oposição à dos estóicos. A acção meritória deve ser  levada  a cabo  apesar do sofrimento.  Isto fez com que  Teofrasto se  aproximasse dos estóicos , sempre criticados pelo radicalismo da virtude acima de tudo. Não deixa de ser curioso quando hoje, na linguagem comum, associamos o estoicismo apenas à capacidade de suportar a dor . O ponto é a acção meritória, a dor é uma nota de rodapé.

Ora, fazer o que temos  de fazer  é muito próximo, por  sua vez, da regra de ouro dos cínicos. O nome da escola vem do grego  kunikos, ser/fazer como um cão. Várias teorias, a que me parece mais razoável  vem do nome do ginásio  Cinosargo ( cão branco / cão rápido)  onde ensinava o pai fundador , Antístenes.  A tal regra de ouro,  a askēsis: viver de acordo com a natureza, desprezar as convenções. O ponto comum entre a escola cínica e a escola  estóica é a aceitação do destino natural  modificado pela vontade de o perseguir.

A aplicação terapêutica  configura  uma disposição a passar às pessoas, nas palavras de Diógenes: Para quê viver,  se não te dás ao trabalho de  viver bem?

quinta-feira, 29 de outubro de 2015

Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come


Os pais falam num mundo diferente, mais perigoso, em miúdos que ainda não sabem tomar  conta deles próprios, no álcool, nas drogas, no sexo, na dissolução dos valores. Vai daí,  a protecção, as restrições, as zangas.
Os pais repetem o discurso que os seus pais lhes repetiram.  O que  todos os pais querem é ver o telejornal ou a novela, tomar um xanax e ir dormir descansados.

segunda-feira, 26 de outubro de 2015

Obsessionem

 Foi reitor da universidade de Upsalla e professor de medicina: teimava que a Suécia era a Atlântida e que o sueco era  a língua de Adão. Mais do que o  delírio histórico-linguístico, importa assinalar a universalidade da ideia obsessiva. Ela é uma espécie de vespa asiática. Ou de muro.
O exemplo de Rudbeck mostra  duas coisas:
a) A obsessão alimenta-se dela própria: quanto mais tempo dura, mais cresce.
b) É independente do teste da realidade.

Tenho em mãos ( salvo seja)  três mulheres obcecadas com  três   homens. Duas delas, aparentemente, tentam deixar de gostar deles. A obsessão assume por vezes esta forma. Nos assuntos românticos pode parecer estranho, mas nos rituais compulsivos já  encaixa: por exemplo, a pessoa que tem de fazer quatro cargas de máquina senão acontece alguma coisa  ao filho. A ideia de que temos de deixar alguém mas que não o  conseguiremos é um ritual compulsivo. Estendido.

Se temos  um muro à frente,  não adianta bater com a cabeça nele. Interessa procurar o tijolo solto. Nas obsessões, o ponto fraco tem de ser procurado com paciência  e detalhe.  O amor-próprio ( também conhecido pelo termo garagista de auto-estima) costuma ser uma boa lanterna se a pessoa conseguir perceber, ao contrário do nosso sueco, que a obsessão só gosta dela  própria.

quinta-feira, 22 de outubro de 2015

"Perdi anos de vida"


É uma frase que ouço tantas vezes como o hino do SLB. E ouço-a sobretudo  a mulheres, quase exclusivamente a mulheres ( também é verdade que quase só tenho mulheres em terapia). A frase refere-se , na maior parte das vezes, a relações amorosas ( namoros, casamentos, uniões etc), às vezes à adolescência , poucas a situações profissionais. Vale, no entanto, para tudo.

1) Nunca perdemos  anos de vida. O passado é a única coisa que nos pertence. Nenhum governo, religião, pessoa, nos pode tirar o dia de ontem. Por mau que seja, é nosso.

2) A sensação de que desperdiçamos vida remete para uma ideia dela. De que ela deve ser bela, amarela, azul, gorda, magra, espessa, fina. Esta ideia é feita depois de termos vivido os tais anos que julgamos perdidos. Não é assim. 

3) Isto inclui a história de um apaixonado  casal de meia idade. Tiveram filhos, reformaram-se ( remete para um tempo em que as pessoas se reformavam cedito...) e viviam, quando a conheci, uma segunda lua de mel, resolvida que foi uma pequenita questão sexual. A página tantas, ela tem um cancro e morre. Ele ficou aparvalhado, sozinho, , sem rumo. A pergunta: perdeu anos de vida?

domingo, 18 de outubro de 2015

Paralisia ducal


Se a coragem idiota ou a obstinação irracional podem trazer-nos sarilhos, o excesso de cautela também. Quantas pessoas não tive  no gabinete que se recusaram a arricar um milímetro...
O excesso  de cautela, para o que nos interessa  aqui, vem muitas vezes das personalidades  obsessivas, variação dubitativa. Ponderam, analisam, voltam  a ponderar e ficam imobilizadas. O problema é que os problemas não esperam por elas. Arranja-se assim um desencontro entre a história do mundo e elas.
O Duque de Medina-Sidónia ( o VII)  ficou na História  como alguém dado à paralisia. Protagonizou episódios caricatos na batalha naval com os ingleses ( um recuo e uma viagem  de regresso à volta da Grã-Bretanha) e um outro em Cádiz. O Conde de Essex chegou, conquistou  a cidade, bateu nos gaditanos e  foi-se embora. Medina-Sidónia congelou e só depois apareceu. Cervantes dedicou-lhe  um trecho admirável de ironia:

Ido ya el Conde, sin ningún recelo,
Triunfando entró el Duque  de Medina.

quarta-feira, 14 de outubro de 2015

Gender soup

Uma pequena trouvaille para desanuviar.
Hoje sou eu a fazer sopa. Anuncio que quero começar a fazer sopas não passadas. Comentário da maioria feminina  ( o meu aliado foi para fora): Não queremos sopas de cavadores, não andamos à jorna.

 

terça-feira, 13 de outubro de 2015

Cabeça fria


Já não me podem ouvir, no consultório, com isto da cabeça fria. E com razão.
Estou a chegar aos 50.  Levo metade da minha vida nesta faina (  muitas centenas de histórias de vidas acompanhei), enterrei um filho,  tive um cancro, publiquei quatro livros, ou seja, tenho obrigação de saber alguma coisa. Se tivesse de resumir o que sei ( não é muito  difícil)  sobre situações delicadas já  sabem o que diria.
Cabeça fria  não é indiferença ao perigo, grace under pressure,  aplomb, panache, valentia. Cabeça fria amarfanha  a condição estóica (1)  e o instinto de sobrevivência (2):

1) Significa aceitar o que nos acontece sem raiva ao mundo nem  auto-comiseração, mas também sem desistir. Cada dia é um ciclo inteiramente  novo ( daí a deriva popularucha do um dia de cada vez, que se conduzir ao cadafalso não adianta muito), o passado é nosso, o presente está  a ser feito, o futuro estou-me nas tintas.

2) Queres ou não viver?  Se queres, tens de viver bem. E viver bem monta um cavalo decidido, que sabe para onde vai. E um cavalo precisa de um cavaleiro que lhe diga para onde ir, que saiba para onde ir. A hesitação,  a tremura ou  a intrepidez estouvada fazem-te cair  da sela em segundos.


sábado, 10 de outubro de 2015

Dia mundial?


Da saúde mental? Bem, se for pela dignidade no tratamento, está bem; caso contrário é uma infantilidade. Seja como for, umas notas simples sobre as várias opções climatéricas da saúde mental:

1) Autonomia
É a principal. O João dos Santos dizia que os sujeitos autónomos são como aqueles aviões que costumam fazer  um trajecto  longo com uma pausa a meio, mas que  se um dia for necessário fazem-no de uma enfiada.
Se somos  escravos das neuras de  infância ( ciúmes, despeito), das tragédias que vivemos ou da aprovação de terceiros, então mais vale embalar a trouxa e zarpar. Ser autónomo ( viver  pela nossa lei)  significa conhecer  tão bem as nossas necessidades de forma  a que elas se esqueçam de nós.

2) Anqueos
Nome antigo para laços. Criar laços, estabelecer laços, cortar uns, desatar outros, fazer novos. Liberdade total, não há sagrado.  Uma relação de trinta anos pode acabar, um filho pode cortar  com o pai. O que nos distinguirá do doente mental, sobretudo do undercover, é essa abertura ao exterior. Como dizia um velho  e chanfrado psicanalista, Paul Racamier, na relação  esquizofrenica mãe -filho , um mais um é igual a infinito.


terça-feira, 6 de outubro de 2015

Comunicar, tocar

Quando se treina cães durante muitos anos  aprende-se imenso.  Esta  tese não faz grande  sucesso no meu gabinete, vero, mas insisto: é que os cães não comunicam com palavras.
Uma vez, ainda dava aulas, fiz um exercício prático numa  turma de futuros psicólogos. Tinha havido um acidente de avião brutal e uma senhora de idade perdera , salvo erro, a filha, o genro e dois netos. Agarrei numa jovem que fez o papel da senhora  sentada no aeroporto Charles de Gaulle, desesperada depois de saber a notícia. Convidei cada uma das alunas a actuar como psicólogas. Uma a uma sentaram-se ao pé da senhora e descarregaram a cartilha burocrática : Coragem, compreendo a sua dor etc. No final do exercício, fiz-lhes notar que não houve uma alma capaz de ter dado um abraço à mulher, ou , por exemplo, de lhe agarrar as mãos.
O toque, a atenção à linguagem corporal, a gestão do contacto visual são categorias-chave no treino canino. Nas discussões conjugais,  ou nas entre pais e filhos,  estas categorias podem desbloquear uma comunicação branca, repetitiva ou até patológica ( acusações antigas, insultos etc). Se os cães podem, nós também...

sexta-feira, 2 de outubro de 2015

Bem visto

A conta mistura banalidades  parvas com banalidades muito boas. Como esta:

"If you stay, stay forever. If you go, do it today. If you change, change for the better. If you talk, make sure you mean what you say".

É para ser lido com um grão de sal. O ficar para sempre significa apenas ficar, ou seja, não andar a entrar e sair. E é verdade.  São sobretudo eles, na minha experiência, que gostam da porta  giratória e isso está ligado ao sentimento de posse.
O falar claro tem muito que se lhe diga. É bom, mas não é tudo. Este ano já tive três mulheres no gabinete cujos ex acabaram com curtas sms...

terça-feira, 29 de setembro de 2015

O inferno não são os outros

Esperamos sempre que as coisas resultem  porque os outros são melhores do que nós. 
Mrozek sabe do que fala. Apoiou o regime de terror comunista polaco ( assinou uma célebre carta aberta  concordando  com a execução de padres católicos, comparando-os a tipos das SS) mas depois casou, fez uma viagem a Itália com a mulher e desertou. É um bom dramaturgo e cartonista, mas, como passou para o lado errado,  em Portugal, por exemplo, quase ninguém o cita nem edita ( só temos "Os Emigrantes" ). 
Ao contrário da cartilha freudiana, estafadamente repetida, os outros podem fazer-nos melhores, sim, sobretudo se antes éramos  muito maus.

segunda-feira, 28 de setembro de 2015

O tempo não cura nada

 Excepto presuntos. De Vinhais. Três anos. Ou da  Quinta da Folga ( menos  tempo mas óptimos também). O que o tempo faz às perdas  ( de gente ou de relações) é afogá-las. Por exemplo, em mais perdas.
À medida que o tempo passa continuamos a perder. Tempo de vida, dinheiro, paciência, outras perdas. Se ganhamos, ou seja, se juntamos coisas  boas ( mais amores, filhos, livros, presuntos) estas também acabam, de uma forma ou de outra,  e, por isso, são, à sua maneira,  mais perdas.
Nenhuma veleidade: só Napoleão para derrotar Napoleão.


terça-feira, 22 de setembro de 2015

No alvo

" Some people aren't actually anti social, they're just very selective when it comes to the people they associate with".

(https://twitter.com/psychologicaI/status/646443501379432448)

domingo, 20 de setembro de 2015

De uma excursão islandesa à Baía dos Porcos


Por vezes acontece-nos isto. Procuramos  por nós, de forma suave e persistente, em todo o lado. Não nos encontramos porque nunca estivemos perdidos, apenas nos distraímos.
Richard Bissel foi o homem da CIA responsável pelo brilhante plano de invadir Cuba ( Kennedy é sempre desonerado de toda as trapalhadas  excepto a de Marilyn Monroe).  Com a exigência de não haver americanos envolvidos, e como era necessária cobertura de  aviação, Bissel inventou uma força área cubana livre. Então as praias de Miami viram um cubano, em treino,  a pilotar um B-26 supostamente cubano sendo que não havia B-26 em Cuba. 
Moral da coisa: somos o que não podemos  ser.

quinta-feira, 17 de setembro de 2015

Seres enfadonhos


Todos os conhecemos. Quando os saudamos, retribuem  mas já têm  uma sólida  na culatra:  sabes lá  a minha vida / ai estás bom? pois eu nem sabes o que tenho passado/ cá ando a aturar aquele chato / não imaginas o que beltrano me fez/  sabias que sicrana etc etc?
Por coincidência , depois do relambório autoreferencial,  costumam , se lhe damos azo, passar à segunda  modalidade preferida: dizer mal de terceiros. Pode ser das pessoas com quem passaram férias, de um filho, dos pais, dos amigos, do chefe, da empregada.
Curioso é que se examinarmos as suas vidas nem encontramos as grandes tragédias que  parasitam outras existências. Até isso lhes falta.
São seres enfadonhos porque absolutamente previsíveis. Levam uma vida monástica, pertencem à ordem dos neuróticos impotentes.

segunda-feira, 14 de setembro de 2015

Contra a corrente


 A corrente:

1) Não é por ser meu filho, mas ele é  muito inteligente.
2) Preciso de me realizar profissionalmente.
3) Não sou de invejas.
4) O tempo cura tudo
5) Ou me aceitam como sou ou então adeus.
6) O que conta é o amor.
7) Não me arrependo de nada.


quinta-feira, 10 de setembro de 2015

Fobia social não é timidez


Da mesma forma que  o desembaraço social não é má-educação, a fobia social não é timidez.  Pode haver trocas de sms, claro, mas são coisas diferentes. 
Tendo a ver os tímidos como Conrad descrevia  as âncoras dos navios: An anchor is forged and fashioned for faithfulness. Há neles uma força tranquila, uma espécie de certeza de que só farão o que for necessário, mas fá-lo-ão sempre. Digo-lhes muitas vezes para não se deixarem acabrunhar só porque ficam de mais de lado numa roda de amigos ou não reagem ao primeiro impropério que lhes lançam.


domingo, 6 de setembro de 2015

Fobia social e distância crítica


Sobre sintomas e história têm tudo à disposição na net, vou por outro lado.
Conheço um psiquiatra com fobia social . Cora ( ou pelo menos corava) se cumprimenta um conhecido na papelaria da esquina. Depois há aqueles que falam  a olhar para o chão. E, claro, uma mulher belíssima, que comecei a ajudar tinha ela 15 anos e hoje é uma médica de 28: tem pré-crises de pânico quando precisa de apresentar um paper num congresso.
Em comum, uma reacção química que a presença de humanos lhes provoca. Curioso, a maior parte dos fóbicos sociais que conheço têm imensas competências sociais. São generosos, trabalhadores  de equipa, dão-se bem com pessoas. Até ao momento em que se sentem avaliados/observados.

O  outro extremo é do actor social. Está tão bem numa feira de presuntos  como  num salão académico. Se vai apresentar um trabalho  numa reunião e não o  preparou, representa. Enquanto o fóbico social sente o peso de cada olhar humano, o actor social não vê ninguém.
Existe meio termo? Claro. Este sinceramente  vosso, por exemplo, confraterniza com feirantes e cavaqueia com velhotes na peixaria: sabe que tão cedo não os volta   a ver.

No fundo, a gestão do espaço, da distância crítica. Este artigo antigo resolve a curiosidade de alguns. Se o  fóbico social aprender a ter confiança na distância que interpõe entre si  e os outros, melhora. Infelizmente, muitos terapeutas escolhem o caminho inverso :forçam  o desgraçado  a diminuir essa distância.

Hoje, domingo, para o terraço; não dances sozinha/o

quinta-feira, 3 de setembro de 2015

Disease mongering

Os inventores de novas doenças:

"Critics such as Payer and Caplan maintain that the routine human condition—unhappiness, bone thinning, stomach aches and boredom—is increasingly being re-defined as disease: depression in its milder forms, osteoporosis, irritable bowel syndrome and attention deficit disorder. Likewise, risks factors, such as high cholesterol and high blood pressure, are declared diseases in their own right—hyper-cholesterolaemia and hypertension—with falling thresholds resulting in more people considered to be sick. In other cases, drugs approved for devastating illness, such as clinical depression, are indicated for milder conditions, such as shyness, which is now dubbed 'social phobia".

 No outro dia pus no twitter um link para um artigo ( enfim...) sobre depressão e ansiedade em ...cães.

domingo, 30 de agosto de 2015

Body talk

A propósito da referência que o leitor faz aos tipos  que deixam crescer a pança ( aí em baixo): sou favorável à  moda  ( já  antiga...) do body talk.
Faço, aos 50 anos ( em Dezembro),  três séries de  dez repetições com 60kg  na  press de banco  e tantas elevações na barra como fazia na tropa com 26. Porquê? Por duas razões:
a) o esforço físico é-me essencial para o bem estar geral.
b) nunca suportei a ideia de um corpo flácido ou asténico.

Os tipos que se deixam engordar ou amolecer são respeitáveis, claro, mas  julgo que se esquecem de um detalhe: se  o corpo fala, convém que se perceba.

Um leitor, aí em baixo, no penúltimo post:

"Sou técnico de emprego. Atendo semanalmente muitas mulheres que se sentam à minha frente com vontade de repor a vida nos carris.
Gosto de mulheres.
Quando a crise chega – o desemprego, a doença, o que for – eles são os que bazam. E o mais espantoso é que, mais das vezes, uma paixoneta e rabo de saia é mais do que suficiente para legitimar a cobardia e falta de responsabilidades. E se não têm isso, tudo lhes serve para fundamentar o alargar da pança e arrastar de chinelos em calções a mostrar os grafitis e arneis com que reconstroem a identidade.
Elas, que há meia dúzia de anos arrasavam enquanto procuravam emprego “na minha área” no pst-licenciatura, sentam-se agora, de costas direitas, olhando de frente. Bem arranjadas, com roupa que se vê ser do chinês, deixam ver as fotos dos filhotes enquanto puxam pelo cartão de cidadão.
Há na vidas destas pessoas um clique, um passe de mágica, na curva de uma vida que deixa atrás uma felicidade de gangas de marca, madeixas e curtes, e faz ver pela frente uma montanha de Sísifo que enfrentam sem pedantismo nem heroísmo.
Não sei bem de onde é que sacam os créditos de dignidade com que levantam a cabeça.
Não será à “família”, à “escola” ou à televisão. Até pode ser a tudo.
Mas tenho para mim que é aos filhos .
Os filhos são das mães".

terça-feira, 25 de agosto de 2015

Por falar nisso: "cê entendeu a pergunta dele?"

Elas e as rupturas


Muito mais difícil. Há nas mulheres - que acompanhei e acompanho - uma recusa suave da ruptura, que demora, às  vezes, mais do que o tempo que  a relação durou. Pode ser um acaso, uma coincidência no meu gabinete, mas é um acaso que se repete há vinte anos ( antes trabalhei como psicólogo, mas não fazia psicoterapia, não tinha calo suficiente). Falo de uma faixa etária em média entre os 30 e os 60. São mulheres crescidas, quase sempre com fibra, génio e coragem. O que  aumenta o mistério: por que raio não os esquecem?
Na altura em que escrevo isto vejo as caras e os corpos de muitas delas. Muitas horas tensas no gabinete, esquadrinhando as frases, as culpas, os remorsos. Por vezes filhos pelo meio, técnicas sexuais, coisas de dinheiros, até violência. No final, sempre o mesmo: como é que ele me fez isto?
É impossível ter esta profissão e não ir ganhando um respeito imenso por elas. Seguram o centro, ligam a família, trabalham que nem galegas.
Talvez o problema seja , em parte, este: investem tanto neles como no resto. Um erro fatal, como Vasco de Lima Couto explica : só agradeço o que peço / e não o que mereço.

quinta-feira, 20 de agosto de 2015

Cidadelas


Um dos piores  indicadores da situação de alguém é o estado da casa. Não me refiro às paredes ou à conservação do soalho. A nossa casa é, tem de  ser, o nosso refúgio. Chegar depois de um dia cansativo  a uma casa onde  de forma permanente  nos envolvemos em gritaria virulenta  ou em desprezo calculado é tentar um caminho  impérvio. 
Um antropólogo francês, em moda nos anos 90, Marc Augé,  falava da retórica familiar: a nossa casa é onde não temos de dar justificações. Por ex, podemos andar de cuecas. Isto é um dos lados. O outro é o do reconhecimento. Quem connosco vive conhece os nossos ritmos e vice-versa. Isto  proporciona, ou devia, uma harmonia razoável. 
Bem sei que harmonia familiar é uma expressão que os neuróticos  mal-resolvidos e mal-amados  têm diabolizado desde os anos  60 a pretexto da liberdade contra a opressão familiar-burguesa. Como o resultado foi um espectacular aumento do consumo de ansiolíticos e antidepressivos, concluo que tanto a asfixiante família tradicional ( que  a havia...) como o masturbação narcísica são más cidadelas.
Do que falo aqui é de uma coisa simples, inscrita numa ordem muito antiga: somamos muito mais do que somos individualmente.

segunda-feira, 17 de agosto de 2015

pub

Vão aqui votar.Por enquanto está na página 4.
Precisamos d e 50 votos para poder concorrer.
Podem ver já:https://www.youtube.com/watch?v=aOBJTXs02kE

sábado, 15 de agosto de 2015

Quais férias?

O  turismo é o passatempo de ir ver o que se tornou banal,  enquanto indivíduos isolados em conjunto: as casa de férias são pseudocolectividades  que acompanham o indivíduo isolado na pseudo-comunidade ( Debord). Sim, conhecem todos as teses da coisa espectacular que se auto-consome, mas eu , como sou um rapaz simples, acrescento um ponto. 
Como é que alguém saudável entra em modo de férias  por exigência do calendário escolar dos filhos ou da organização da empresa ou do serviço?  É como se nos dissessem que no mês que vem comeremos bacalhau podre ( é uma receita e muito boa) todos os dias às 17h. Porquê? Porque sim.
Não  é assim estranha a neura de férias, muitas vezes confundida nas publicações de tarot ( revista do Expresso ou do Público por ex) com o a neura do regresso ao trabalho. O problema não é voltar, é ter ido.

domingo, 5 de julho de 2015

Férias/interrupção

Regresso em meados de Agosto, os que não estiverem na praia serão bem acolhidos aqui.

terça-feira, 30 de junho de 2015

Terapia alternativa ( 8)

"Quando sinto o grande desejo de ser atleta, provavelmente é como se desejasse chegar ao céu e poder ser aí tão infeliz como sou aqui".

( Kafka, Diários, 16.X, 1921)

Do controlo (1)


Poucas coisas na terapia  me dão mais trabalho do que o manejo do controlo na. Há gente  obcecada por ele, há gente incapaz de o exercer; há gente que o confunde com um queijo, há gente descontrolada por prazer; há gente que toma medicação para o ter, há gente que toma medicação para lhe escapar.
Tento sempre partir da base: o autocontrolo ou, melhor, o autodomínio. Se não formos capazes de conter as emoções ou de as exprimir bem, de refrear a agressividade ou de a soltar quando necessário, de decidir friamente sem congelar  a decisão, enfim, se não conseguimos ser senhores do nosso pobre castelo, então não vale  apena preocuparmo-nos com os castelos dos outros.

(cont.)

quinta-feira, 25 de junho de 2015

Peau de chagrin


A simplicidade de que falamos  é esta provocação  que Rafael  faz ao químico Japhet. As coisas importantes são  mesmo muito simples:
Uma vida inteira de sofrimento e autocomiseração, milhares de horas de conversas, centenas de consultas, dezenas de internamentos e no fim um simples  segundo numa  corda ou numa linha de comboio. 
Dias e horas de explicações, análises e argumentos quando basta ver a fotografia da tipa:  vinte anos mais nova do que a legítima.
Reuniões, críticas, justificações, históricos diversos, dialécticas. O livro de cheques explica: o outro lado paga mais um milhão.

terça-feira, 23 de junho de 2015

Materialismo histórico-sexual

Estou sempre com Tertuliano : basta  no sentir e no olhar. O resto é coincidências, factores aleatórios,  contabilidade, política, diplomacia, traços e feitios.  Da casada muito compostinha, que não consegue esconder o  frisson diante do antigo colega, ao moralista, a quem a  andropausa faz descobrir coisas de filmes, o efeito de palco é devastador: tudo pode ou não acontecer.
As mezinhas terapêuticas, como as do artigo, explicativas ou até preventivas ( também as há) fazem as pessoas acreditar no espiritismo. O materialismo histórico leva, desta  vez,   a palma: não é a nossa consciência que determina o comportamento sexual, é a  variedade social deste  que  define aquela. De certa forma, somos o que podemos ser. Os totós tratam o concreto ( o affair)  como um tumor quando ele é a cura.

segunda-feira, 22 de junho de 2015

Do que se perde


Cada vez mais me interesso mais  pelo rogue, pela solitária, pelo que diz à  manada para ir dar uma curva; pelo que se marimba para o leite sem lactose e para o sushi, pela que nem faz ideia do que é o  facebook; pelo que  não discute marcas de gin e pela que fuma sem vergonha.
O pior da manada são os elementos  que  pretendem não lhe pertencer. São as que fazem plásticas ou emagrecem por motivos de saúde, são os que não imaginam a andropausa sem uma  moto ou uma tatiana  marisa a gemer-lhes  o jovens que ainda são.
Se a vida é um mal digno de ser gozado,  a manada é uma vantagem a desperdiçar.

sábado, 20 de junho de 2015

Terapia alternativa ( 7)

"Existência dentro de um tanque. Se moramos lá dentro  somos estúpidos e inacessíveis, caímos em todos os fossos, saltamos  por cima de todo os obstáculos, revolvemos a porcaria e profanamos a terra.
Só quando estamos assim sujos  somos invencíveis".

(W.Benjamin, Imagens de pensamento, 1925-1935)

quinta-feira, 18 de junho de 2015

A continuação da terapia com outros meios

Sim, com outros meios.  Muito curioso  pelo período napeolónico e pela queda dos Habsburgos,  comecei a interessar-me  por Clausewitz já tarde ( pouco antes dos 40). O homem nunca escreveu que  a guerra é a continuação da política por outros meios, mas com outros meios. Faz toda a diferença.
Desde 2012 que  invisto cerca de três horas diárias no  acompanhamento de pessoas via email ( ocasionalmente noutros suportes). São pessoas que já conheço e tenho em terapia/seguimento, como é óbvio. Três benefícios imediatos:

1)  Oferecer à pessoa a segurança de não estar sozinha,  numa altura difícil, qualquer que seja a hora ou o dia.
2)  Numa fase inicial, poupar tempo e dinheiro  porque muita informação pode ser recolhida entre sessões .
3) Preparar as sessões, libertá-las  dos pequenos casos do dia, centrar a atenção no trabalho essencial.

Para além de tudo isto, o pensamento escrito honra a matriz terapêutica. Liberta  a pessoa da ditadura do gabinete, dá-lhe a possibilidade de debater em pé de igualdade com o terapeuta ( no meu caso nem era necessário...).

terça-feira, 16 de junho de 2015

O self no coração ou no cérebro: bananas...

                                    
A imagem é retirada deste estudo. Uma bela treta.
Com a experiência que tenho de todos estes anos ( a minha única vantagem)  a  ver as vidas das pessoas desenrolarem-se à minha frente, não tenho dúvida nenhuma de que as pessoas mais felizes ( enfim...) foram as que decidiram emocionalmente. Falta explicar o que isso é...
Os histéricos,  sobretudo os ultra-narcisistas, parecem muito emocionais, mas são os filhos da mãe mais frios e racionais que conheço: sugam os outros até que todos à sua volta sejam tão miseráveis como eles. Por outro lado, tipos que tomam decisões ponderadas dão ares de iceberg, mas muitas vezes notei que essa ponderação levou em conta os interesses e   desejos de terceiros. O estudo lá refere a  interdependência. Significa pouco porque até o histérico é interdependente. 
Gente que dá, que se dá, que entrega o muito ou o pouco que tem ( tempo, dinheiro, paz, silêncio), não é gente necessariamente boazinha. É gente que pressente no laço humano mais do que o pasto para  a autosatisfação permanente, porque é gente que captou uma lei de bronze: se os outros estiverem melhor, eu fico melhor. Então digam lá: foi com o coração ou com a cabeça?


Credit: thinkstockphotos.com/Rice University
Credit: thinkstockphotos.com/Rice University
Credit: thinkstockphotos.com/Rice University

segunda-feira, 15 de junho de 2015

Democracia na terapia

 O espaço terapêutico,  como o entendo, é radicularmente democrático. De raiz e  de demo, que não quer dizer povo  mas lugar onde se  nasce/vive. A democracia foi feita contra  a monarquia, levando ao recenseamento   dos que viviam em Atenas ( e no resto da Ática), para garantir que a linhagem mais  forte não dominasse a cidade. Na terapia existem dois demos: o meu e o do outro.
Ambos assumem igual importância no desenrolar dos trabalhos. Distancio-me assim da figura demiúrgica.  Seja  a do psicanalista armado do seu mambo-jambo palavroso, seja a do psiquiatra  e da  sua colecção de amuletos e beberagens. Só entendo a terapia num quadro de igualdade, se quiserem, de isocracia : igual acesso ao  poder de transformar o estado de coisas.
Não sigo nenhuma escola holística de como deve ser a saúde mental e emocional, não aplico métodos universais. O respeito por quem tenho diante de mim, e pela sua fala, implica uma adaptação a cada caso.  
A minha responsabilidade é batida na experiência de muitos anos com a intimidade dos humanos.  É esse o meu trabalho: colocar à disposiçao de quem tenho de ajudar uma parafernália de problemas e soluções imperfeitas. Examiná-las, debater com a pessoa o caminho do bosque.

domingo, 14 de junho de 2015

Terapia alternativa ( 6)

"Não me sinto bem. Como se tudo o que alguma vez   possui me tivesse escapado e como se nunca me pudesse satisfazer ainda que me fosse devolvido"

( Kafka, Diários, 16.II, 1915)

quinta-feira, 11 de junho de 2015

Nem pensar


Dizia-me no outro dia uma mulher, que já ajudo ( enfim...) há muito tempo: "não vale a pena apaixonar-me, só colecciono desilusões".
 É tão banal como certíssimo.  A excitação só pode ter como alívio o fim.

Terapia alternativa ( 5)

"Ódio à introspecção activa. Interpretações como: Ontem senti-me assim por esta razão, hoje sinto-me assim por aquela razão. Não é verdade, não por esta razão e não por aquela razão e logo também assim e assim. Suportar  a vida tranquilamente, não cair  em precipitações, viver como se tem de viver, não correr às voltas como um cão".

(Kafka, Diários 9.XII, 1913)

quarta-feira, 10 de junho de 2015

Duas estóicas em carne e osso

Não tenho culpa da redução popular  do estoicismo à resistência e à abnegação: é um disparate abominável.  Hoje trago-vos dois casos reais  de pessoas que seguem uma velha regra de Crísipo: o prazer não é um salário, o amor   e a honestidade só existem se desinteressados.  São duas mulheres que tenho em terapia/ seguimento e em comum só o facto de serem louras e elegantes:

P.  trabalha  na banca, tem 32 anos, benfiquista, aguarda  há muito tempo ( uma  eternidade, vocês nem acreditariam se vos contasse)  que o seu amor decida entre ela  e outra. Enquanto espera não cede um milímetro ao que entende  dever ser a  vida, mas dá o corpo todo de cada vez que ele a  procura. Não esconde o que quer, não se importa com o que não recebe.

M.J.  42 anos, é cientista e substitui Dâmocles no banquete de Dioníso-o-Velho em Siracusa.  Tem um corpo biónico em virtude do avanço da técnica e de uma doença,  embora só o olhar traia por vezes a condição.  Trata a  fragilidade como um cão danado, aproveita todas as migalhas, guarda as fatias saborosas para quem precisa delas.  A espada pende  sobre a sua cabeça, mas calcula a distância e vive sem pedir  comiseração. 

Terapia alternativa ( 4)

"Não desesperes, não desesperes nem mesmo por não desesperares. Quando tudo parece ter chegado ao fim, novas forças avançam e isso mostra que estás vivo. Se não avançarem, então tudo chegou ao fim, mas desta vez para sempre".

( Kafka, Diários, 21.VII, 1913)

segunda-feira, 8 de junho de 2015

Estoicismo, notas; continuação



Uma discussão interessante  é feita por Cícero no  Tratado do Destino ( IX,17). Convida Diodoro, Epicuro e Crísipo: Tudo o que acontece  teve de acontecer. As proposiçoes sobre  o futuro  são tão verdadeiras como as sobre o   passado, ainda que nestas a impossibilidade de as modificar  sejam aparentes. Já sobre o futuro essa aparência não é tão evidente.
Isto é um dos eixos do estoicismo. Tudo o que aconteceu teve de acontecer representa o aceitar da vida no que ela configura  de pobre  luto pela nossa omnipotência.  A nota sobre a diferença entre o passado e o futuro é deliciosa. Aparentemente podemos modificar a representação do nosso  passado ( a culpa foi de X, não mereci Y, Z afinal foi bom). Já quanto ao futuro  essa nossa tendência para o falsificar é outro osso.
 Muita  da angústia que por aí grassa advém desta continuidade da falsificação. Como reorganizamos o passado de acordo com as conveniências do presente, imaginamos que o futuro pode ser igualmente arquitectado. Uma  leve suspeita, porém,  nos incomoda.  Se  renegamos o passado para melhor o poder suportar, tememos, claro, que as  proposições  que enunciamos sobre  o futuro ( ambições, desejos, grandes sucessos) também  não sejam uma maravilha de solidez.
Não é de admirar a angústia permanente, o reexaminar sucessivo e gaguejante do caminho que nos aguarda.  E isto tudo enquanto desperdiçamos vida.

quinta-feira, 4 de junho de 2015

Ponto de ordem: estoicismo e epicurismo nos tempos de hoje


Ao longo do tempo, muitos leitores/participantes   têm mostrado o seu saudável cepticismo diante da linha estóico-epicurista  ( escolas até historicamente adversárias) deste blogue. Compreendem  que para os desconhecedores  não posso aqui deixar fichas de leituras de Séneca, Zenão de Tarso, Epicuro, Epicteto, Horácio, Montaigne, Petrarca ( cripto), Lucrécio etc. Os  já iniciados também entendem que não posso abandonar o tom psicoterapêutico e mergulhar na filosofia sem luvas. Ainda assim, uma nota sobre  dois aspectos : o não desejar nada e o tempo como ciclo finito e sucessivo.
  Não desejar nada não significa não gostar de comer umas petingas amanhã nem a pele da que dorme ao nosso lado. Esses desejos são razoavelmente encaixados, tanto no que está ao nosso alcance como no horizonte temporal. Muito diferentes são os desejos de fama, riqueza, filhos geniais, beleza, saúde.
Isto entronca na perceção do nosso lugar no mundo. O que existe, o que está, é brutal. Não tem preço. Trocá-lo ou desprezá-lo, em função de coisas que queremos, leva muitas vezes ao desperdício da vida. E isso, posso eu garantir-vos, tenho visto muito ao longo de vinte e tal anos de trabalho.
Não se trata  de ficar insensível ao que nos acontece, como disse um leitor. Basta ser benfiquista para isso ser impossível. Antes pelo contrário, trata-se de respeitarmos a vida de tal forma que não desperdiçamos  nada, ainda que isso nos obrigue  a escolhas suspeitas.

terça-feira, 2 de junho de 2015

Manual de sobrevivência ( 40)

Você só me vem com filosofias complicadas e análises. Quero directrizes, coisas práticas. O que tenho de fazer para deixar esta porcaria de vida?

Morrer. É prático.
Em alternativa, deixar de desejar. Também é prático. Pois, pois, bem sei... há sempre um homem, um lugar na administração, um par de sapatos. Apesar de tudo, é possível. Desejar é uma roleta. Ganhemos ou percamos, queremos sempre mais.  Se a vida nos corre bem, o jogo é inofensivo, mas se  a vida está má o jogo é letal.
Não desejes nada. Tudo que conseguires é inesperado e surpreendente. Aprenderás então a dar-lhe o justo valor.

segunda-feira, 1 de junho de 2015

Manual de sobrevivência ( 39)

Tenho de ter sempre razão. Percebe... nas discussões e assim. Isto às vezes é cansativo,  mas fico desconsolada se não acontece.

Percebo a necessidade, é normal,  mas interessa-me  esse desconsolo.
Não ter razão sobre uma coisa  implica apenas  a coisa. Ou porque não a  sabíamos ou porque dela estávamos distraídos. As coisas não sofrem, logo não se desconsolam.
Ora bem, apesar disto tu ficas desconsolada. É curioso, é como se tu fosses  as coisas sobre as quais discutes. É  como se tomasses as dores de uma data, do nome de um autor, de um número. É desconsolante.



Terapia alternativa ( 3) : que numa dessas voltas tu viesses para mim

quinta-feira, 28 de maio de 2015

Manual de sobrevivência ( 38)

Por que raio temos de ir  ao cemitério? Só vou por causa do falatório no lugar. Por mim nunca mais lá punha os pés. Gostava dela, mas tudo passou, quero seguir com  a minha vida.

O Popol-Vuh descrevia o Xibalba como um lugar  terrível comandado  por doze deuses. Era onde os mortos não descansavam, atormentados por julgamentos, testes etc. Nós decidimos o contrário.
Os vivos julgam-te, mas  a morta perdoa-te. Seja como for,  ainda bem que não  a cremaste.

quarta-feira, 27 de maio de 2015

Manual de sobrevivência ( 37)

Tenho de ter sempre o controlo das coisas. Caso contrário fico  insegura. O problema é que as coisas estão difíceis, o controlo é impossível. Estou a começar a sentir-me desesperada.

As coisas rolam com alegre  indiferença pelas nossas necessidades. Tens de examinar a fonte dessa sede de controlo, porque arriscas-te a fazer a espargata  nas rectas paralelas de Plutarco e o infinito ( onde elas se encontram)  é capaz de demorar.
Repara, a vontade de algum controlo é natural. Por exemplo, a hora de deitar, o tipo de escova de dentes, a marca de sumos que bebes. Já a passagem do tempo pelo corpo,  o curso que o teu filho vai escolher e  o dinheiro que ganhas são bolachas de uma lata que não é só tua. A medida é o alvo.
Quando as coisas ficam difíceis, experimenta substituir o controlo pela cabeça  fria. Ou seja, deita fora tudo que não é vital: o que sobrar é a tua cidadela. A escolha é feita deixando de lado  o que não podes...controlar.


 

domingo, 24 de maio de 2015

Manual de sobrevivência ( 36)

Não confio em ninguém. É horrível, mas é  a verdade.

A verdade é horrível? Parabéns. Se fores ao Carlos de Oliveira ( em alguns aspectos das descrições femininas, o nosso Bioy Casares)  descobres como  Capula ficou sem fala quando Glória lhe disse que ia ter um filho dele, mas depois caminhou alegre sob a chuvada grossa.
Quanto à confiança, isso é outro pirilampo. Deixando de lado  as parlapatices psicoanalíticas sobre a ferida narcísica  e o  defeito fundamental, talvez seja um problema de interpretação. 
Se não confias em ninguém, não confias em ti: é óbvio. Por que carga de água os outros haveriam de te mudar a fralda?

Nova configuração

Os leitores passarão a dispor de um email para que possam abordar aspectos que não queiram ver publicados  na caixa de comentários. A conversa passará a ser noutros moldes.
Julgo que assim o blogue  adquire mais flexibilidade e cumpre melhor.

terça-feira, 19 de maio de 2015

Manual de sobrevivência ( 35)

Sinto-me  desinteressada das coisas boas. Já não me dão prazer, acho-as enfadonhas. Culpo-me disto, é verdade, mas não posso evitar.

Ele há coisas mais fáceis de resolver. Julga-se que são as grandes tragédias as mais difíceis de arrumar, mas não é assim. Estas  resolvem-se por si: ou cais ou segue sem frente. Já a fadiga de Cápua implica uma actualização permanente.
Uma linha para explorares, recomendação do meu amigo Epicteto ( Encheiridion, LIV): os prazeres mais repetidos são os que  raramente nos proporcionam a maior satisfação.

segunda-feira, 18 de maio de 2015

Manual de sobrevivência ( 34)

É muito mau  antecipar o prazer? Quero dizer, em ficarmos alegres antes da coisas acontecerem?

Nenhuma disposição nossa afecta o curso dos acontecimentos nos quais não participamos, mas que nos podem beneficiar. Se fores entregar o euromilhões convencido de que vais ganhar, isso não interfere no sorteio.
Calculo, no entanto, que te referes ao perigo da desilusão.  Se o remédio fosse esperar o pior, os casamentos no altar seriam muito divertidos. Já em alguns funerais valeria  a pena filmar a cara das pessoas quando o morto ressuscitasse.

sábado, 16 de maio de 2015

Manual de sobrevivência ( 33)

Como posso ter a certeza de que é que com ela que quero ficar/ Por que razão me abandonou ele de repente?

Julgo que a  vida é literatura  no sentido em que tudo pode ser inventado sem servir para nada. Desse modo, as interrogações sobre as nossas certezas valem o que lhes queremos oferecer. Fiquem com um pedacinho  do  discurso  que Valery fez, em Julho de 1927, quando foi eleito para Academia francesa ( substituiu Anatole  France):

 Entre les amateurs d’une beauté qui n’offrait pas de résistance et les amants de celle qui exige d’être conquise, entre ceux qui tenaient la littérature pour un art d’agrément immédiat, et ceux qui poursuivaient sur toute chose une expression exquise et extrême de leur âme et du monde, obtenue à tout prix, il se creusa une sorte d’abîme


sexta-feira, 15 de maio de 2015

Manual de sobrevivência ( 32)

A depressão é diferente da tristeza, dizem vocês. Para mim é igual: o meu corpo não me obedece, não encontrei  o  amor, não espero nada. Vou vivendo.

Se o teu corpo te tivesse sempre obedecido, terias  nascido para este mundo cão?
Sobre o amor, dou-te Anna Langfus. Torturada pela Gestapo, assiste à execução do marido e  morre  de enfarte aos 46 anos. Dizia ela que não podemos usar  palavras humanas para descrever  uma realidade que não está à altura  dos homens.
Não percebes? O amor não é para ser encontrado, é para ser perdido.


quarta-feira, 13 de maio de 2015

Manual de sobrevivência ( 31)

É um problema, sinto-me angustiada.  Ele quer fazer na cama as fantasias todas, com, digamos, adereços,  e isso faz com que eu me aborreça, parece que estou num filme.

É bem verdade, uma infecção essa: a indústria chegou ao sexo. Os  escravos do taylorismo sexual desconhecem  o this kiss, the forerunner of the most delicious pleasure, como escreveu Casanova ( cap IX), depois de dar um, muito especial, à marquesa enquanto o cardeal dormia  a sesta. 
Ensina-o com paciência, mas com firmeza, já que ele só fez a telescola. Para reforçar  a aula, convida uma amiga e certifica-te de que ele assiste bem sentado  e com atenção.